Entre Sem Bater - Pra quê Filosofia?

Gilles Deleuze disse:

"... uma filosofia que não entristece ninguém, que não aborrece ninguém, não é filosofia. Ela é útil para prejudicar a estupidez, para transformar a estupidez em algo vergonhoso ..."(1)

Podemos afirmar, com toda a certeza, que Gilles Deleuze era um filósofo contemporâneo. Contudo, não acreditamos que ele estaria com as mesmas opiniões antes a filosofia moderna(2) do Século XXI. É provável que seus pensamentos influenciem muitos filósofos atuais, mas não consideramos parlapatões(3) e falastrões de redes sociais como filósofos. Desse modo, seu pensamento sobre os que perguntam pra quê filosofia, é atualizadíssimo.

FILOSOFIA

Escrevi, anteriormente, sobre a dificuldade(*) de falar e escrever sobre filosofia. A minha dificuldade é que não estudei e nem li o suficiente para trocar ideias com estudiosos e filósofos.

A dificuldade dos interlocutores divide-se em três camadas:

Aqueles que acham que entendem e não aceitam conversar com os outros;

Outro grupo que não entende nada, faz intervenções tolas e não admite a ignorância; e,

Os que são a pura ignorância e merecem respostas agressivas para ver se acordam e saiam da escuridão.

Nem o Iluminismo ou a evolução da humanidade nos preparou, por exemplo, para uma iminente singularidade tecnológica(4). Desse modo, fazer com que certas pessoas entendam a importância da filosofia parece algo etéreo. As mudanças radicais nas sociedade não atingiram os dogmas religiosos e vivemos como como no colonialismo e escravidão medievais.

Em outras palavras, costuma-se dizer que não se misturam temas como política e religião (no caso do Brasil, futebol) num debate. O problema não é misturar ou debater filosoficamente a interligação destes temas. A grande questão é o poder da oratória dos pilantras de palanque, púlpito e agora de teclado e plataformas digitais.

FILOSOFIA E REDES SOCIAIS

Gilles Deleuze, um dos mais influentes filósofos do século XX, fez afirmações impactantes sobre a filosofia nestes tempos modernos. Entretanto, como Deleuze faleceu no início da interação da Internet com a sociedade, suas ideias não eram sobre os tolos do Século XXI.

“A filosofia não serve ao Estado ou à Igreja, que têm outras preocupações. Ela não serve a nenhum poder estabelecido. O uso da filosofia é entristecer. Uma filosofia que não entristece ninguém, que não aborrece ninguém, não é uma filosofia. Ela é útil para prejudicar a estupidez, para transformar a estupidez em algo vergonhoso.” (Gilles Deleuze - "Nietzsche e a filosofia")

Admiro filósofos como Deleuze, pelo simples fato dele se apoiar em outros filósofos, notadamente os estoicos, que habitam este espaço frequentemente. Como se não bastasse, alinho-me com ele na questão o teor irônico e mordaz que quem questiona a filosofia sem conhecê-la, mesmo superficialmente. Adicionalmente, eu diria que me identifico com a expressão sobre tratar algumas intervenções com agressividade. É notório que os pacificadores e adoradores de "bom dia" e "boa noite" nas redes sociais são passivos e até pusilânimes.

Enfim, este pensamento nos convida a refletir sobre a importância da filosofia e sua aplicabilidade no contexto contemporâneo. Devemos usar a arte, especialmente nas redes sociais, onde a superficialidade e a desinformação frequentemente dominam o discurso.

FUNÇÃO NECESSÁRIA

A filosofia, desde que existe, sempre foi uma atividade para questionar as verdades lógicas e aprofundar o entendimento sobre a realidade. No entanto, num mundo cada vez mais digital e veloz, a filosofia sofre questionamentos de maneira desdenhosa. Muitos usuários das redes sociais desconsideram o valor da reflexão filosófica, preferindo interações rápidas e superficiais que não exigem esforço cognitivo.

Deleuze, por outro lado, sugeria que a filosofia tem a função de transformar a estupidez em algo digno de vergonha. Essa transformação é mais relevante do que nunca nas redes sociais, onde a ignorância ganha compartilhamentos sem qualquer crítica. A filosofia, ao promover a reflexão crítica e a autocrítica, pode servir como um antídoto poderoso contra o culto à estultice.

As redes sociais conectam bilhões de pessoas em todo o mundo, e passaram a ser arenas onde as opiniões são imediatistas sem reflexão. Assim sendo, a filosofia enfrenta um grande desafio: como tornar-se relevante e acessível em um espaço que privilegia a superficialidade? Deleuze indica uma prática “agressiva” ou, em outras palavras, uma necessidade de que seja assertiva e estimulante visando o pensamento crítico.

REFLEXÃO CRÍTICA

Para compreender como uma filosofia tem aplicação prática nas redes sociais, é necessário considerar alguns de seus princípios fundamentais. A filosofia nos ensina a questionar, a duvidar e a não aceitar "verdades" sem uma análise rigorosa. Nas redes sociais, onde as notícias falsas e a desinformação se espalham rapidamente, a filosofia pode atuar como um filtro. Desse modo, podemos ter uma base para distinguir entre o verdadeiro e o falso ou uma meia-verdade(5).

Além disso, a filosofia permite, caso quem se utiliza deste comportamento queira, a empatia e a compreensão com as dores dos outros. Ao estudar diferentes correntes filosóficas, nos expomos a diversas perspectivas e formas de pensar. Assim sendo, nos tornamos, verdadeiramente, mais tolerantes e abertos ao diálogo. Com a polarização e a necessidade de respostas rápidas das redes sociais, essa habilidade sofre prejuízos extremos.

Enfim, a partir da reflexão crítica, pilar do pensamento filosófico, é possível entender e misturar as várias editorias e segmentos sociais.

CULTURA DA VERGONHA

Deleuze argumenta e defende a ideia de que a filosofia deve tornar a estupidez algo digno de vergonha. Os comportamentos impróprios ganham grande visibilidade, o que é ruim, e a ideia de vilipendiá-lo é particularmente relevante. A filosofia nos ajuda a desenvolver uma cultura onde a ignorância não tenha celebrações, mas sim identificação e correções.

Contudo, essa transformação comportamental não é simples e requer um enorme esforço coletivo, o que não se avizinha. Educadores, influenciadores e usuários das redes sociais deveriam desempenhar um papel crucial ao promover conteúdos filosóficos. Outrossim, deveriam incentivar debates multidisciplinares que ultrapassem a superficialidade que reina nos ambientes virtuais.

É provável que a introdução de temas filosóficos deva ocorrer de maneira acessível e envolvente. Certamente, utilizando formatos que o público das redes sociais aceite. Como, por exemplo, vídeos curtos, memes filosóficos e discussões interativas que estão muito na moda e são parte da educação digital.

EDUCAÇÃO DIGITAL

Para que a filosofia se torne uma ferramenta eficaz nas redes sociais, é essencial sua integração à educação digital desde cedo. As habilidades de pensamento crítico e reflexão filosófica devem fazer parte de qualquer currículo escolar. Desta forma, prepara-se os jovens para navegar no mundo digital de maneira responsável e consciente.

Projetos educacionais que utilizam as redes sociais como plataformas de aprendizagem podem ser particularmente eficazes. Ao promover discussões filosóficas online, os estudantes podem, sem dúvida, aprender a expressar suas ideias de maneira clara e respeitosa. Além disso, podem desenvolver a capacidade de analisar e avaliar informações criticamente, sem preconceitos.

O DESAFIO

A frase de Gilles Deleuze nos desafia a repensar a função da filosofia em um mundo onde a superficialidade está prevalecendo. A desinformação e a ignorância se espalham rapidamente, e a filosofia pode servir como uma ferramenta poderosa para transformar tudo. Ao promover o pensamento crítico, a empatia e a reflexão profunda, inquestionavelmente, a filosofia ajuda a mudar o ambiente digital e social.

Entretanto, para alcançar esse objetivo, é necessário um esforço coletivo que envolva educadores, influenciadores e usuários no mundo digital. A filosofia apresenta-se, cada vez mais, de maneira acessível e envolvente, ao utilizar as linguagens que ressoam com o público contemporâneo. Enfim, somente assim aproveitaremos a magia transformadora da filosofia e moldaremos uma cultura que valorize a reflexão e o conhecimento.

A filosofia não serve a ninguém e nenhum poder, Estado ou igrejas, muito menos déspotas. Na maioria dos casos, não é agressividade, é o estoicismo, o ceticismo e a necessidade de trocar ideias para evoluir, com ética e honra.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  Vivemos, surpreendentemente, tempos de comunicação difícil, numa verdadeira babel. Quanto mais as pessoas possuem facilidades, mais se fecham em guetos ideológicos e muros intransponíveis. A era da comunicação e informação está se tornando um mundo de hedonistas ocos e com blindagem de titânio.

(1) "Entre Sem Bater - Gilles Deleuze - Pra quê Filosofia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/19/entre-sem-bater-gilles-deuleuze-pra-que-filosofia/

(2) "A Filosofia Moderna - Século XXI" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/02/05/a-filosofia-moderna-seculo-xxi/

(3) "Entre Sem Bater - Evandro Oliveira - O Parlapatão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/08/25/entre-sem-bater-evandro-oliveira-o-parlapatao/

(4) "Singularidade, Alienígenas e Minhocas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2017/01/14/singularidade-tecnologica/

(5) "Entre Sem Bater - Alfred North Whitehead - Meia-Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/06/entre-sem-bater-alfred-north-whitehead-meia-verdade/