Eras pequena assim como eu, mas já me davas a sombra amiga.
Crescemos juntas juntas e teus galhos esqueléticos muitas vezes me abraçavam quando neles eu dependurava e vergavam, vergavam, aguentando meu peso até o fim.
Nesse tempo eras ainda "árvore-menina", como eu, menina-moça e fomos amigas inseparáveis de infância e juventude. Ouvias minhas queixas juvenis, pois foi a ti que escolhi como confidente, sei que me escutavas em silêncio e jogavas sobre mim tuas folhas para sinalizando que eras comigo.
Lembro-me de minha proteção à ti, ninguém podia fazer podas e nem mexer nos teus ramos e meu avô ria de meus cuidados e queria fazer uma cabaninha para que eu morasse ali junto ao teu pé. Dizia ele, que aí eu veria os fantasmas noturnos nos campos, isso era apenas para me colocar medos e tirar aquela idéia fixa que eu tinha de que eras como uma 'pessoa'.
Quantas vezes molhei tuas raízes na sêca e tentava ajeitar os galhos retorcidos depois dos temporais e ventanias. Na primavera as florezinhas brancas perfumavam o ar do campo e eu me deliciava. Não sabia o teu nome científico e por isso chamava-te de Guapa.
Eras a minha amiga de todas as horas, mas precisei seguir a vida, fui estudar longe, nem preciso dizer do sofrimento da separação e da alegria nas férias quando podia te rever. Levava folhas e flôres no meio de livros por muitos anos para matar a saudade.
Minhas visitas foram poucas e o tempo foi passando, ficamos adultas, os meus problemas e segredos eram outros. Deixei de contá-los porque não os entenderia, continuavas inocente apesar do tempo. Meu avõ faleceu, sei que te podaram, pois ele não estava mais ali para me ajudar e o jardineiro cumpria as obrigações dele. Deves ter ficado muito abalada com esse tratamento, mas creio foi bom, pois assim ficaste mais robusta e bonita.
Sei que ainda estás lá viva, em pé, seguindo as estações, mas com o tempo teu tronco ficou um tanto carcomido.
Irei breve para aí e cuidarei de ti Guapa, contarei o que posso dessa minha vida, em minha ainda parte adolescente fiz para ti uma música, é um hino simples exaltando amizade e a conviência dos aúreos tempos. Sei que vão me julgar meio doida, mas ninguém sabe que foi ao teu pé que descobri meus dons, minhas tendencias e vontades. Por isso mereces isso, embora pareça estranho aos olhos de outrem.
Espere-me só mais um pouco, continue a abraçar e ser abraçada pelo vento, abrigar os pássaros, divertir-se com a chuva, tremer com os trovões e forrar o chão com tuas folhas. Nesse tapete irei mais uma vez descansar e lembrar das manhãs cheirosas e das tardes felizes de um tempo bom da infância que jamais voltará...
10/01/08 Foto: N Marilda