UM POUCO SOBRE A MULTIDÃO
UM POUCO SOBRE A MULTIDÃO
Tem gente que tem medo de multidão ou sente crise de ansiedade incontrolável quando se depara com esse tipo de situação. Esses dois mecanismos têm até nome. Nomes esquisitos, por sinal. O medo explícito de multidão a ciência batizou de demofobia. Também conhecido por oclofobia ou enoclofobia, que é quando se tem fobia de estar em ambientes cheios de pessoas. Já a situação de ansiedade incontrolável a ciência denominou de agorafobia, que ocorre tanto em lugares fechados quanto em abertos. Ambas as denominações mencionadas, no geral, significam, numa linguagem bem nossa, o medo de estar no meio de muita gente.
O contrário também existe. Há muitas pessoas que conseguem, por vários motivos, se encontrar na multidão. A psicologia e sua prima, a sociologia moderna, estudam esses fenômenos da natureza humana. Enquanto a sociologia estuda o comportamento e a interação de indivíduos em um grupo, a atração por multidões e sua influência sobre estes, a psicologia social vai estudar a sensação de pertencimento, excitação sensorial e até uma tal de filifilia, denominação esquisita para descrever a não menos esquisita atração sexual por multidões ou aglomerações. Perceba aí a complexidade do ser humano, que não se reduz a uma montanha de células, músculos, suor e sangue, mas a um complexo mecanismo, uma pedra bruta objeto de observação e estudos permanentes.
Confesso que este não seria o tema da semana. Mas aí a gente começa a escrever, vai refletindo, o pensamento fluindo e o tema que seria para estar aqui hoje vai ficando lá para trás. Talvez nem volte mais.
Não me enquadro em nenhum quadro dos estudos referidos até aqui. Mas fiquei curioso para descobrir como se denomina as pessoas que gostam de observar multidão, como é meu caso. O hábito de escrever me levou ao hábito de observar com mais acuidade o “mundo ao redor”. E isso inclui coisas e pessoas. Já escrevi tempos atrás uma crônica sobre a experiência sensorial que foi de percorrer a pé um dos caminhos da cidade. Foi bacana porque acabei por enxergar coisas que via todos os dias. Não é que essa prática, para minha surpresa, também tem nome?
Novidade para mim: flâneurisme é o conceito filosófico e cultural que envolve caminhar pelas ruas da cidade de forma despretensiosa e atenta, observando os detalhes do ambiente urbano e das pessoas que o habitam. Justamente o que fiz e resultou na crônica "Do que Sentirei Saudade Quando Morrer?", que pode ser acessada no seguinte endereço: [oprogressonet.com](https://oprogressonet.com/coluna/3731/do-que-sentirei-saudade-quando-morrer), publicada e republicada em 2022 e em maio deste ano.
Pois flâneurisme foi a denominação mais próxima que encontrei para explicar o gosto que tenho de explorar meus sentidos ao percorrer a cidade e a me deparar com aglomerações de pessoas e, por vezes, multidões. Lembrei que fazia isso bem antes de intensificar o hábito de escrever, que vem da infância.
Aprendemos muito com a observação dos tipos humanos reunidos, seja nos pequenos ou grandes espaços. Desde as heranças físicas/genéticas até a análise comportamental. E nem precisa ser cientista para isso.
As aglomerações, os ajuntamentos de gente constituem-se em verdadeiros laboratórios onde é possível aprender e apreender muito sobre as dimensões do ser humano. Cada rosto, cada gesto, cada murmúrio ou exclamação revela um fragmento do mosaico que compõe a nossa humanidade. É como se cada indivíduo fosse uma página viva de um livro interminável, onde histórias de vida, esperanças e desilusões se entrelaçam, formando uma tapeçaria rica e multifacetada.
Nas grandes cidades, como nossa querida Imperatriz, as multidões são como rios caudalosos, onde a correnteza de pessoas flui incessantemente. Observar essa correnteza é como mergulhar num universo paralelo, onde se pode testemunhar a diversidade da experiência humana. Ali, no meio da massa de corpos e vozes, percebemos que somos, ao mesmo tempo, únicos e parte de um todo maior. É nesse fluxo contínuo de vida que reside a beleza da multidão: uma celebração constante da existência humana, com todos os seus paradoxos e maravilhas.