Superexposição
Superexposição
Camila tem nove anos e um instagran administrado pela mãe. A mãe tem dois instagrans, um pessoal, em que posta fotos e textos sobre sua vida pessoal e outro profissional em que tem cem mil seguidores e posta fatos da sua vida diária e familiar. A maioria dos posts viraliza. Nestes três instagrans, Camila e Thales, seu irmão menor, também produzem conteúdo. Os reels e stories que eles participam, dirigidos pela mãe, são muito comentados e curtidos. A mãe dos dois ganha dinheiro ou monetiza, com a imagem dos filhos.
Ontem foi aniversário de Camila e não teve comemoração. Ela não quis. Gritou, chorando que não iria curtir a festa porque passaria o tempo todo tirando fotos e fazendo vídeos para a mãe postar. Este ano, ela não foi à festa junina da escola pelos mesmos motivos. Antes tentou negociar com a família para deixá-la ir sozinha, como a mãe teimou que iria, resolveu não participar. Camila e Thales são trabalhadores virtuais. A mãe não percebe. Continua fazendo o seu trabalho e usando os filhos para criar conteúdo e ganhar a vida.
Como Camila, existem milhões de crianças e adolescentes consumindo e produzindo conteúdo digital. Outros tempos, outros hábitos, outras formas de viver. As plataformas digitais mostram um mundo feliz, de gente sem problemas. As amizades são interações de curtidas ou comentários, sem presença física, sem conflitos. As conversas e debates esvaziaram. A informação está à mão. Para que estudar conteúdos escolares se podemos pesquisar na hora qualquer assunto com resposta pronta e confiável? Estamos delegando nossa memória para a máquina.
Esta geração é a primeira que convive com redes socias e sites de busca desde bebês. Estudiosos comportamentais advertem sobre a imprevisibilidade dos resultados desta inovação a longo prazo. Como serão os adultos daqui dez, vinte anos? Como será a produção de conhecimentos? É próprio do ser humano a capacidade de criar, inovar e resolver problemas e conflitos . Fazer isso depende da interação com o outro. Manteremos estas habilidades? E as relações afetivas, familiares e sociais?
Camila e Thales são vítimas de sua família que não percebem que a conexão excessiva e a superexposição nas mídias, caracterizam também abandono, muitas vezes dentro de casa e debaixo dos nossos olhares. Estamos criando crianças ansiosas, obesas, anestesiadas, incapazes de gerenciar frustações. Precisamos rever atitudes, repensar estratégias educacionais e sociais para interromper essa realidade.
Márcia Cris Almeida
18/07/2024