Educação - As Bestas do Apocalipse
BIBLIÍFLO
Sou do tempo em que arma de brinquedo era de livre comercialização. Nunca gostei, e é provável que minha mãe, que era professora e pacifista, abominava qualquer arma. Anteriormente, aqueles da minha geração admiravam e colecionavam figurinhas de um álbum com nome "História Natural". Entender a história e as coisas antigas era o que mais motivava os alunos do "primário", mesmo de uma escola pública. Para mim, o termo bestas do apocalipse era coisa de gente grande e eu não entendia muito bem nada daquilo.
Por outro lado, fico pensando nas palavras que tem como prefixo o radical biblio. Se biblio quer dizer livro e filo significa amor, paixão, certamente o peso do termo bestas do apocalipse exigiu muita paixão dos estudiosos, ou não. Portanto, basta juntar o lé com o cré e pensar ao menos um pouquinho. Como amante da filosofia e dos livros é possível saber que a ideia do apocalipse não é uma história natural.
Contudo, os tempos são outros, duros e cada vez mais rasteiros e superficiais, com os perfis das redes sociais cagando e andando para bibliófilos. É provável que eles façam alguma confusão e não consigam interpretar nem o nome do livro mais famoso do planeta: A Bíblia.
BIBLIOTECÁRIA
Uma das profissões e atividades que eu mais admirava quando criança e até na vida adulta era a de bibliotecária. Naquele tempo, todas as bibliotecárias eram mulheres, pelo menos as que eu conhecia no meu pequeno universo. Eu gostava de folhear livros, desde sempre, e imaginava que seria maravilhoso ganhar dinheiro folheando livros o dia inteiro. Por outro lado, alguns amigos imaginavam ser policiais - para dar tiro em bandidos e poderosos - ou somente aprender a ler e escrever.
Depois que me tornei adulto, consolidei um imenso respeito pelo profissional de biblioteconomia, ou atualmente a ciência da informação. Trabalhei com uma bibliotecária maravilhosa, uma pena que politiqueiros a desrespeitaram(*) de maneira vil e covarde. Políticos déspotas, as verdadeiras bestas do apocalipse, forçaram que esta amiga do livro nos deixasse antes do "prazo" e sem combinação.
BIBLIOGRAFIA
Na linha do bibliófilo, a bibliografia é tudo que o amante dos livros precisa. Não existe a mínima possibilidade de alguém bibliófilo fazer alguma espécie de censura, corte, vedação, restrição a alguma coisa que tenha ISBN. Digo que mesmo sem a existência de ISBN, um livro é uma coisa magnífica, e sem a diversificação da bibliografia plural, os livros teriam barreiras. Em outras palavras, até a história das bestas do apocalipse estão num livro, estão numa bibliografia ou nas mentes que pensam.
Surpreendentemente ou não, vivemos num mundo de transformações. Como se não bastasse o avanço das redes sociais, é necessário repensar todo o sistema educacional. E os malabarismos que os políticos fazem para usurpar o dinheiro da educação são inimagináveis.
Desde que o dinheiro da educação chega aos estados e municípios com "carimbo" e destinações específicas, as maracutaias avançaram. Desde a escolha de um livro pedagógico até o transporte escolar, tudo é política e arranjos espúrios. E o que assusta mais é que não apenas os políticos se beneficiam, muitos "cidadãos de bem" se locupletam de tudo e de todos.
As ideias e propostas em tempo de eleições, de qualquer esfera, deveriam assustar as pessoas, mas as redes sociais não deixam mais ninguém se assustar.
BESTAS DO APOCALIPSE(1)
Assim sendo, em anos eleitorais, os discursos ficam parecendo aquilo que nunca foram.
Quando vejo a entrevista concedida pelo General Aléssio Ribeiro Souto, por exemplo, constato que não é sobre Educação de verdade. É impossível um general, assessor de um candidato à presidência da república, ter ideias típicas de bestas do apocalipse. E a educação, sob maus tratos, desde que em 1808 chegou uma certa família ao Brasil, sofre retrocesso inimagináveis.
Embora todos os trechos da entrevista provoquem asco, um deles merece destaque, da maneira mais negativa quanto possível. As recentes mudanças, feitas após o impeachment-farsa de 2016, já provocaram muitos problemas e forte oposição de professores impotentes.
Aí vem a pergunta, talvez em combinação com quem iria responder, que me preocupou, sobretudo pelas entrelinhas.
Por que é necessário revisar o currículo escolar?
- É muito forte a ideia básica de revisão dos processos curriculares, das bibliografias. Isso precisa ser muito cuidado para não termos absurdos que vimos na TV como livros distribuídos para crianças de sete anos que deixa (sic) mães estupefatas. Determinadas coisas são responsabilidade dos pais. A escola tem de tratar do problema, mas não tem de influenciar para uma direção ideológica. E, nesse sentido, estamos colocando uma revisão completa dessas questões curriculares.
Fonte: Estadão 15out18
Uma vez que sou bibliófilo, desespero-me com o poder que as bestas do apocalipse estão obtendo ao longo dos tempos. Com a "autorização" de grande parcela dos brasileiros, estes energúmenos estão saindo de suas cavernas e porões. Mostram suas garrinhas e toda a verve de violência e desrespeito às opiniões dos outros.
E constatar que algumas bibliotecárias(os), bibliófilas(os) e professores(as) cogitam apoiar estes tipos, é aterrorizante.
FIM DE LINHA
Certamente, como diz a lenda, a história tem a narrativa dos "vencedores" e os perdedores querem vencer por decreto e na pancadaria. Na sequência da entrevista em questão, tem mais: "... é muito forte a ideia de se fazer ampla revisão dos currículos e das bibliografias ...". Com toda a certeza, revisões e melhorias devem existir sempre, entretanto, o viés deve ser a evolução e não o retrocesso.
A Idade das Trevas é logo ali, e parece que o recrudescimento do conservadorismo não está chamando a atenção das pessoas.
Assim sendo, ou entendi tudo errado ou estas bestas do apocalipse estão querendo esconder a história. Querem censurar toda a bibliografia que eles não julguem adequada para mães e crianças.
Será que eles sabem o que estão fazendo?
SEM LIMITES
Enfim, minha preocupação é com a entrevista, na íntegra. Sobretudo quando ignora as propostas da cultura e coloca a educação, como "contrabando", junto com Ciência e Tecnologia por "afinidade". Os recursos que teriam como destino a educação e saúde, cuja origem viria do pré-sal, não foram suficientes para a goela larga dos déspotas.
Querem, inquestionavelmente, desmontar tudo que evoluiu na educação brasileira durante décadas, a partir de jabutis e emendas eleitoreiras. Professores e estudantes de mestrado e doutorado veem suas bolsas sumirem, agora querem sumir com parte da bibliografia.
Em suma, começo a suspeitar que as bestas do apocalipse não são estes monstros e mitos, e sim quem os apoia e vota neles. Se não o são, assemelham-se a serviçais de primeira ordem, e fazem o serviço sujo parecer uma coisa natural.
Quando escrevi um texto sobre o dilema da leitura(2), não entenderam, agora, se não entenderem, a coisa só vai piorar.
Publicaram uma entrevista destas exatamente no Dia do Professor, provocação barata perde, depois não reclamem. Em suma, Cavaleiros e Bestas do apocalipse estão no comando.
P.S.
(*) A bibliotecária e sua biblioteca sofreram uma mudança de um local nobre, inclusive com acesso do público externo, para um porão. Um verdadeiro crime lesa-pátria.
(1) "Educação - As Bestas do Apocalipse" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2018/10/17/educacao-bestas-do-apocalipse/
(2) "Ler ou não ler, não é a questão" em http://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/03/22/ler-ou-nao-ler-nao-e-a-questao/