Ódio aos ciclistas!

Tento há muito entender o motivo de tanto ódio ao ciclista, mas não consigo chegar a uma conclusão satisfatória em meio a tanta barbaridade nas estradas brasileiras. E não, não é um fenômeno em terras fluminenses, mas espalhado por todo o território nacional.

Certa vez, eu conversava com uma colega de trabalho que pedalava, mas que, depois de um acidente, quebrou o pé e desistiu da bicicleta como um todo. Conversávamos sobre mobilidade urbana e a bicicleta no trânsito, quando um novo professor, havia pouco mais de um mês que se transferira para nossa escola, entrou na conversa e, para nossa surpresa, começou o discurso de ódio:

— Esses idiotas só servem para atrapalhar o trânsito, se achando no meio dos carros.

Arregalei os olhos. Sério?

Ele continuou.

— Esses vagabundos, com aquelas roupinhas apertadinhas, querendo disputar espaço com os carros. Atrapalham a vida do cara que trabalha de verdade. Ridículo, a gente com pressa, ainda ter que ficar agarrado atrás de um bocó desse de bicicleta. E quando a gente ainda consegue passar por eles, ainda ficam com raiva de ter levado um chega para lá. Tem que proibir esses ciclistas de andar na rua. Tem tanta ciclovia, pô. Bando de vagabundo!

Não, não tive dúvidas. Estava de frente a mais um dos ignorantes que odeiam ciclistas. Cabeça quente, por vezes me inflamo quando ouço o grito da barbárie. Respondi como um tapa na orelha.

— Amigo, o vagabundo que não trabalha pode ser o seu médico. O cara que vai atender você quando o cigarro impedir a sua respiração. Pode ser o engenheiro, o advogado, o dentista, o marceneiro, o vigilante, o pedreiro. Pode ser até o vagabundo aqui — apontei para meu peito — que acorda quatro da manhã para conseguir treinar, ter uma vida mais saudável, desestressar; voltar para casa a tempo de estar na escola às sete da manhã para dar minhas aulas.

O clima pesou. Todos os professores virados para mim, espumando de raiva. Raiva por já ter levado centenas de “finas educativas”, outras tantas fechadas maldosas e elogios impublicáveis de motoristas sem educação. Inflamei, mas me contive. Não se paga violência com violência. Achei melhor explicar os treinos, as leis de trânsito, muitas vezes esquecidas depois da prova do Detran, a importância de outras formas de locomoção além do carro, a importância do ciclismo para a saúde. Evitei ampliar o estresse. Deixei para lá e segui meu dia.

Casos como esse são normais, até mesmo corriqueiros. A bicicleta é um insulto para o cidadão comum, ele não entende que alguém possa preferir uma bicicleta a um carro. Acha que sentar atrás de um volante faz dele alguém em uma sociedade, ter um carro é uma forma de ascensão social e quem não o tem é menor na escala. Dito isso, lembrei-me de outro fato.

Fazíamos um pedal noturno. Andando em fila na calma estrada da Vila da Petrobras, aqui em Angra dos Reis, quando passa um desses seres que se julgam superiores por guiarem um carro. Abaixou o vidro e gritou no meu ouvido como se estivesse coberto de razão:

— Sai da pista, porra! Eu pago IPVA!

Não pensei duas vezes e emendei:

— Eu pago três.

A bicicleta incomoda não por ocupar o espaço na via, mas por mostrar para o troglodita que sua vida é medíocre. Ele quer descontar seu ódio no mais fraco, no mais vulnerável. Ofender um ciclista é a sua catarse, mesmo que, para isso, ponha em risco a vida de um pai de família, de um trabalhador, de um jovem cheio de sonhos, daquele que só quer ter o prazer de fazer o que se gosta em meio a selvageria que nos rodeia diariamente nas ruas.

A via pode, e deve, ser compartilhada. A bicicleta não é um estorvo, pelo contrário, é um desafogo a quantidade de veículos que lotam as ruas, disputando os centímetros por um espaço que é de todos.