A estória que a história não contou.

 

Resumo: Existem três registros e interpretações sobre a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” perfazendo uma leitura formalizante, existencial, sociológica e até humorística. Foi o liberalismo democratizante que alimentou a sátira do narrador-defunto trazendo um moralismo cético e bafejo de certezas progressistas. O narrador volúvel e do paternalismo denunciou as vicissitudes da sociedade brasileira da época e retratou o momento histórico que ainda sustentava a escravidão e aponta o Brasil trafegando na contramão do liberalismo.

Palavras-chave: Literatura. História do Brasil. Sociologia. Filosofia. Direito. Liberalismo.

            “Nossos sentidos não percebem nada extremo. Muito barulho nos ensurdece, muita luz nos deslumbra; muita distância e muito perto impedem a visão”. Pascal

 

 

A crítica traz à baila três versões do bizarro narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas, a primeira faz uma leitura formalizante, o defunto autor desenvolve o modelo da forma livre de Sterne; a segunda corresponde a uma leitura cognitiva e existencial centra-se na figura do humorista melancólico; e a derradeira faz uma leitura sociológica então centrada no tipo social de Brás e no contexto ideológico do Brasil Império. Assim, há um perfil do narrador mas nenhuma interpretação é suficiente para compreender a vastidão do olhar de Machado de Assis.

A hegemonia do liberalismo excludente rege toda a biografia de Brás Cubas que começou no período colonial. E, o novo liberalismo democratizante formado em 1860 a 1870 e alimenta a sátira local do narrador. Há um moralismo cético que molda a perspectiva geral da obra, refratária às certezas progressistas inerentes ao novo liberalismo.

Com a obra o foco narrativo de primeira pessoa e, o estilo memorialista pode ser interpretado como procedimento retórico e confere verossimilhança ao relato, supondo-se que o narrador, seja a testemunha mais idônea para contar a sua própria história.

Afinal, o eu só fala do que viu e do que sabe, ou lhe parece e, assim, a perspectiva seria mais realista que sendo onisciente passa conhecer tudo, passa fora e dentro de todos os personagens.

Há uma verossimilhança bifocal pois o narrador atesta sua presença física diante dos fatos em que esteve e cuja interpretação é confiada ao seu olhar sem a presunção da certeza universal suposta no historiador em terceira pessoa. 

Enfim, a ficção do defunto narrador, traz um expediente irrealista para desnudar um ego em post-mortem que assim narra em jogo duplo com presença e distanciamento do eu que são tangíveis e define uma dicção singular.

Brás Cubas é eu-defunto já confrontado com a brevidade do século XIX pedem interpretação que dê conta das razões do procedimento.

Há pelo menos três versões desse narrador-defunto. Brás conta a sua história trivial  de menino mimado de uma família abastada e conservadora com fumos de aristocracia: — um Cubas! O caráter estragado desde a infância e a adolescência, os  estudos de Direito feitos em Coimbra, as viagens de recreio pela velha  Europa, as aventuras eróticas precoces, uma paixão adulterina tecida de exaltações, tédios e saciedade, a sede de nomeada, que vai do projeto malogrado de inventar um emplasto anti-hipocondríaco à conquista de uma cadeira de deputado,  enfim a solidão da velhice... (In: Bosi, A. Brás Cubas em três versões. Disponível em: B r á s C u b a s e m t r ê s v e r s õ e s - PDF Download grátis (docplayer.com.br) Acesso em 15.7.2023).

Uma trajetória movimentada de forma comum enquanto típica de um certo segmento da burguesia no Brasil do Segundo Reinado. Percebe-se um extenso arco da história brasileira que está indiretamente evocada ao longo da vida do narrador. E, há um peculiar caráter documental e, e sua presença acaba por revelar-se em autoconsciência.

É verdade que a análise psicológica e moral é favorecida pela distância que medeia entre o testemunho direto e o gesto reflexivo potenciado pelo expediente do defunto autor. A luta de cobiças e de interesses obrigam a calar, a disfarçar imperfeições e remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência. Mas, na morte, há o desabafo e libertação.

O narrador concebe a paisagem social do seu tempo de uma forma que adensa o regime testemunhal: ele surpreende-se a si próprio como ator e espectador no processo das relações de força entre os sujeitos.

Não  há neste Machado maduro um espelho do mundo dissociado do olhar pensativo,  como não há desenho de um quadro sem a projeção de alguma perspectiva. Essa  constatação remete ao problema crucial do narrador machadiano, que se vale de  um tipo socialmente localizado e datado sem deixar de descer à análise mais geral  dos motivos do “eu detestável”

Enfim, reprisando a frase de Pascal, os extremos costumam ser fáceis de explorar, seja pelo machado cronista da sociedade fluminense, curioso dos faits divers do jornal[1], comentador galhofeiro do jogo político daquele momento e, ainda, o Machado estudioso de abismos do vazio humano. E, a cada posição-limite, ao descartar o seu contrário complementar, emperra o discurso da compreensão e alimenta enormes polêmicas equivocadas.

O escritor explorou o outro fora e o dentro do eu. E, contemplou os dois lugares do eu narrativo: a plataforma da qual decolou e o horizonte para o qual dirige a sua mente. Noutras palavras: a matéria relembrada e a sua interpretação.

Segundo Alfredo Bosi[2], o capítulo Coxa de nascença e os três que o seguem, Bem-aventurados os que não descem, A uma alma sensível e O caminho de Damasco, relatam um encontro em que vem ao primeiro plano a dura realidade de uma assimetria social e natural. Brás era rico e saudável e, encontra com Eugênia, filha bastarda de antigo conhecido dos Cubas e coxa de nascença. Junto com a diferença de classe social, o estigma no corpo. Eugênia mancava, ao passo que Brás em plena juventude era todo garbo e presunção.

O esperado acontece. Eugênia apaixona-se pelo rapaz e dá-lhe o seu primeiro beijo  de adolescente tímida mas confiante. As duas marcas da assimetria, pobre e coxa,  vão pesar, indefectíveis, provocando o fecho abrupto desse encontro sem amanhã.  Brás pondera seus “riscos” e comunica a Eugênia a sua partida iminente, fazendo-o  por meio de palavrinhas doces mas frias, de cuja hipocrisia ele tem plena consciência.

Personagem e auto-analista, Brás consegue ao mesmo tempo mostrar-se qual  foi e qual se vê e foi visto: leviano, satisfeito da sua superioridade e tentado a desfrutá-la, intimamente desprezador da mocinha bonita mas filha espúria e agravada  por um defeito físico.

No momento de lembrar o episódio, porém, a consciência  lúcida do defunto-autor desvela o sentido cruel dos seus atos e os julga com um  critério de humanidade que o rapaz fútil e preconceituoso não quisera assumir:

"Pobre Eugênia! Se tu soubesses que ideias me vagavam pela mente fora naquela ocasião!  Tu, trêmula de comoção, com os braços nos meus ombros, a contemplar em mim o teu  bem-vindo esposo, e eu com os olhos de 1814, na moita, no Vilaça, e a suspeitar que não  poderias mentir ao teu sangue, à tua origem...".

Brás ao reportar-se a uma passagem da infância em que surpreendera o Dr. Vilaça a  namorar às escondidas Dona Eusébia: desses encontros nascera Eugênia, a flor  da moita.

O trecho não se esgota no contraste social e existencial entre Brás e Eugênia. O eu  que narra o acontecido não está só. Presume que terá algum leitor ou leitora e  pressente que este outro, dotado de “alma sensível”, poderá censurá-lo pelo seu  cinismo — palavra forte, mas dita com todas as letras.

É deste outro imaginado e  virtual que vem o juízo ético, mas é o eu narrador que o desentranha e o invoca  e obriga-se a escutá-lo e a transmitir-nos a sua voz. Brás compõe um diálogo  com a alma sensível do leitor que o exprobra.

O mesmo Brás que deu lugar à consciência universalizante do outro, entra a defender-se e atenua a própria culpa e alega que, afinal, não tinha sido cínico: simplesmente, fora homem.

O que oportuniza ao defunto descrever a condição contraditória da sua alma, uma mistura calibrada de bem e mal, uma barafunda de coisas e pessoas, enfim, um pandemonium que é ser homem.

Já não se cogita em ética do respeito, mas apenas em justificação psicológica, que se quer realista. A regra moral induzida a partir do outro não coincide com a interpretação do passado a partir do eu. O interesse torce o conhecimento e, tal entendimento está em  Pascal e nos moralistas da época e tão amado pelo criador de Brás Cubas.

Há mais que a tensão entre o narrador e a alma sensível do leitor.  Há Eugênia em carne e osso diante de Brás. Com o a mocinha cândida e apaixonada vai  comportar-se ao perceber com seus “olhos tão lúcidos” que Brás mente, que Brás  jamais a desposaria? “Uma mulher coxa!” — era o pensamento dele, que ela cedo  adivinhou.

Tal como ocorre com personagens femininas que já encontramos nos  romances da primeira fase (Helena e Esteia) e em Casa velha (Lalau), Eugênia  responde com altivez ao ferrete da discriminação, “ereta, fria e muda”, digna em  sua compostura antes do encontro amoroso e, com mais razões, na hora crua do  desengano. Eugênia é o outro irredutível à pura tipicidade com que Brás, enquanto mero tipo, a olhara e a rebaixara.

É notável como o escritor sabia lidar com o mesmo e o diferente tipo e a pessoa. Apesar de que em seus primeiros romances nem sempre existia uma consciência da assimetria social e que gerava comportamentos parecidos.  Helena será o oposto de Guiomar. Esteia não concorrerá astutamente com Iaiá Garcia na luta pela conquista do homem rico e desejado.

Helena, Esteia e Lalau mal toleram e afinal rejeitam a humilhação do favor,  ao passo que Guiomar e Iaiá driblam e vencem ambiciosamente os mecanismos do  mesmo favor. São as reações diversas ao destino social que tornam viva e concreta a  galeria dos caracteres femininos concebidos pelo romancista.

Há boas razões para  supor que o Machado da primeira fase tenha sido ambivalente em relação ao paternalismo, regime protetor mas humilhante, pois requer dos dependentes uma alta  dose de esperteza e hipocrisia. Quanto aos dignos, viverão à margem ou perecerão.

Fixemos ainda uma vez a atenção neste outro, Eugênia, como figura introjetada na  consciência de Brás. Imagem do desejo que o preconceito impediu que se transformasse em amor, Eugênia provoca, pela mediação inesperada do leitor de alma sensível, a auto-análise defensiva de Brás.

A voz interior logo o censurou e chamou-o de cínico. Logo quando Brás precisou de argumento racionalizador que o justificasse.

No plano retórico, a racionalização funciona valendo-se  também da velha praxe de alinhar os contrastes fatais de que seria feito o cérebro humano, agora comparado a um tablado, “em que se deram peças de todo gênero, o drama sacro e austero, o piegas, a comédia louçã, a desgrenhada farsa, os autos, as  bufonerias, um pandemonium, alma sensível, uma barafunda de coisas e pessoas...”

O ato foi narrado, a culpa é apontada com veemência pelo interlocutor virtual, mas  depois é atenuada pelo discurso universalizante: “eu fui homem”. Mas o que é “ser  homem” para o defunto autor? Uma mistura incongruente — um pandemônio?

Sem dúvida, foi bem mais fácil para Brás tentar convencer o leitor hipotético do  que enfrentar o olhar reto de Eugênia. Para tanto, em vez de recorrer ao expediente  de borboletear com imagens e citações escapando ao desafio da consciência  reflexiva, Brás teve de arremedar a linguagem retórica da tragédia para dar conta  dos sentimentos contraditórios que por breves momentos lhe inspirou a moça  apaixonada, mas coxa: a piedade e o terror.

Brás diz ter ouvido uma  voz misteriosa que saía de si mesmo, e cuja origem era dupla, “a piedade, que me  desarmava ante a candura da pequena, e o terror de vir a amar deveras, e desposá-la. Uma mulher coxa!”

O terror, que no caso melhor se chamaria de covardia, logo  venceu a piedade, como seria de prever em um caráter como o de Brás, tangido  pelo princípio do prazer e pela correlata aversão a praticar qualquer sacrifício que  a consciência lhe pudesse exigir.

Ainda feita essa entrega previsível do sujeito à pura autoconservação (aquele cinismo de que o acusara a alma sensível do leitor) precisa ajustar provisoriamente a máscara do arrependimento. Assim, Brás faz juras de amor invocando todos os santos do céu para atender a decisão da partida.

A hipocrisia de ator, é no sentido grego hypokritikés, é pífio e dotado de retórica exagerada que congela ao invés de aquecer o interlocutor. Enfim, a máscara forma-se, porém, necessária na medida em que permite também tirar um último diálogo:

— Acredita-me? — perguntei eu, no fim.

— Não, e digo-lhe que faz bem.

Por um átimo inverte-se, no plano moral, a situação de assimetria. O olhar que Eugênia lança a Brás “não foi já de súplica, senão de império”. Império de flor da moita,  bastarda, pobre e coxa de nascença?

Na economia implacável do romance o olhar  imperioso de Eugênia não a pouparia do destino de acabar os seus dias em um cortiço onde Brás irá reencontrá-la encarando-o sempre com a mesma seca dignidade.

De todo modo, aquele olhar imperioso não mudaria a vida do jovem Brás que desceria da Tijuca na manhã seguinte, “um pouco amargurado, outro pouco satisfeito”.

Qual é o papel do episódio na teia de significações das Memórias? O que parece é que um dos seus alvos é a configuração bivalente onde o eu narrador é capaz de não apenas de praticar vilezas mas também ser desfrutador que foi desde a infância, mas ao sobrepensá-las, promovendo seu julgamento pelo outro, que penetra em sua consciência.

E, nesse processo, o narrador-defunto não se engana nem se propõe enganar-nos. Ao revés, deixa se ver com toda transparência do olhar honesto, e não converterá o nosso Brás, pois é um egoísta indefectível, mas traz à baila o subsolo de sua cia, trazendo um moralismo pessimista ou somente cético, bem no tom ideológico defunto narrador.

Na justificativa que o narrador arquiteta para responder ao leitor sensível vê-se  que ele adota o recurso do termo universal — homem —, qualificando-se a si  mesmo como ser confuso e, mais do que confuso, contraditório. O problema hermenêutico está em aferir o grau de adesão ou de rejeição do autor ao seu próprio  discurso existencial.

Se a interpretação pender resolutamente para o lado da sátira tipológica, a resposta será unívoca: o autor denuncia a racionalização que o  tipo social faz da própria conduta quando a investe com o atributo geral de humano.

A leitura alternativa, igualmente plausível, é a admissão, por parte do autor, da vigência de sentimentos contraditórios em todos os homens (isto é, em cada  homem), com a predominância dos impulsos egóticos distribuídos por todas as  classes. Ambas as hipóteses ganham em ser relativizadas mutuamente.

A primeira concederá à segunda a evidência empírica de sofisticado grau de generalização de comportamentos centrados na autoconservação que marca o humano desde priscas eras. A segunda, a seu turno, concederá uma leitura sociotipológica, peculiar de situações de assimetria social, o egoísmo vencedor que reside ao lado do rico e do poderoso.

Machado na obra se compraz nesse jogo relativizante, que morde e sopra, que acusa em forma de sátira, ora interpretando uma psicologia mais realista e universalista e, ora, objetivando apenas a simbiose de crítica e autocrítica por vezes implacável, por vezes, sendo concessiva e condescendente.

A dura  acusação se atenua, o autor afinal parece tudo compreender e a tudo resignar-se,  como o fará no seu último romance o Conselheiro Aires com a sua arte diplomática de descobrir e encobrir exposta em memórias quase póstumas. A auto-análise  desencantada desloca o discurso satírico para o universo complexo do humor.

O episódio da flor da moita não é o único passo em que o intérprete se vê diante  da mesma encruzilhada: ou sátira sem perdão nem complacência, ou enésima  constatação do “barro humano”. A primeira estrada, se percorrida sem desvios,  leva necessariamente à pergunta pela ideologia de Machado de Assis.

Progressismo democrático assumido versus conformismo liberal-burguês? Futuro versus passado? Responder afirmativamente à questão significa creditar a Machado de Assis maduro possuía uma inabalável coerência ideológica, uma fé reiterada nos ideais das Luzes  e, por extensão, da modernidade.

Na esteira dessa ideologia a alma sensível do  leitor virtual reprova o cinismo de Brás, a figura de Eugênia revela a hipocrisia  do rapaz, e a passagem assumiria, no seu todo, o significado preciso de uma denúncia.  Admissível pontualmente, essa leitura é relativizada pelo contexto interno  das Memórias.

As evidências da atribuição dos comportamentos às forças cegas  do egoísmo capaz de todas as vilanias e até mesmo de crueldades gratuitas não  permitem que a primeira alternativa, tão simpática no seu ethos progressista, seja  considerada absoluta, sem quaisquer dúvidas ou reservas.

O realismo satírico de âmbito local é atravessado por um segundo e mais firme  realismo que enforma o primeiro dando-lhe uma dimensão ainda mais desolada e  desoladora.

As reações de Brás Cubas ao acaso que irrompe no cotidiano levam água ao moinho de uma leitura cética da História, alterando a denúncia pontual que o critério ideológico tende a propiciar.

Enfim, o dilema do intérprete assume, por vezes, um caráter de enigma, a culpa individual de origem psicossocial, ou força do destino, ou astúcia do gênio da espécie? Traz o libelo ou a dura constatação?

Eugênia aparecerá ainda uma vez no horizonte das reflexões do defunto autor.  Este divaga sobre o grande prazer que é descalçar botas apertadas, “felicidade barata” que a vida nos concede ao pungir-nos com a fome só para dar-nos maior  gozo na hora do alimento, e daí... o narrador póstumo revê “a aleijadinha perder-se no horizonte do pretérito”.

Brás vivo logo a arredara do coração, que “não tardaria também a descalçar as suas botas”, mas Brás morto, isto é, homem capaz  de pensar o vivido, não deixará de falar àquela imagem indelével: “

Tu, minha Eugênia, é que não as descalçaste nunca; foste aí pela estrada da vida, manquejando  da perna e do amor, triste como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa, até  que vieste também para esta outra margem...

O que eu não sei é se a tua existência era muito necessária ao século. Quem sabe? Talvez um comparsa de menos  fizesse patear a tragédia humana”. O leitor sai com o sentimento de que, em certas  passagens, o mundo das ideias e valores do defunto autor não só conserva, pela  memória, mas supera, pela reflexão, o pequeno mundo do jovem Brás.

Nos três casos prevalece uma conjunção negativa de acaso objetivo e arbítrio subjetivo: nos três, a condição prévia de Brás homem abastado não será determinante,  causa das causas, mas coadjuvante. Irrompe nos três o eu detestável de pascaliana  memória, opaco, alheio ou avesso ao outro, seja este um inseto, um trabalhador anônimo ou simplesmente um desconhecido sem rosto que perdeu um maço de  notas.

A rejeição desse outro é irritadiça no caso da borboleta, mesquinha no encontro com o almocreve, especiosa no achado do embrulho; mas em todos os episódios faz-se tanto mais cômoda para o sujeito quanto menos testemunhada pela  presença de um olhar perspicaz como era o de Eugênia.

É sentença de La Rochefoucauld[3]: “Esquecemos facilmente nossas faltas quando só nós as conhecemos”.

Brás topando em um embrulho na praia, sente curiosidade de saber o que contém. E, inclinou-se e apanhou o embrulho. ”. Ninguém que pudesse ver a minha ação: a ênfase recai no receio de ser visto,  o que já é pressentimento de ação culposa, ou assim considerada pelo outro que,  mesmo invisível, está à espreita e penetra o eu como potencial censura.

Temendo  que pudesse tratar-se de trote de moleques, sobreveio-lhe o impulso de jogar fora o  embrulho, “mas apalpei-o e rejeitei a ideia”. Pois o embrulho tinha certa consistência, prometia ser “alguma coisa”...

Levando-o para casa, persistiu no recesso do seu gabinete o temor da pulha: embora não aparecesse ali “nenhuma testemunha externa”, havia sempre o fantasma do garoto caçoísta que preparara talvez um engodo e  poderia “assobiar, guinchar, grunhir, patear, apupar, cacarejar, fazer o diabo, se me  visse abrir o embrulho e achar dentro uma dúzia de lenços velhos ou duas dúzias  de goiabas podres”.

O gesto do outro é aqui teatralizado — plateia ausente mas  presente zombando do logro projetado em um palco secreto mas imaginariamente  público.

Afinal, o embrulho foi aberto. Era dinheiro, nada menos que cinco contos  de réis em boas notas e moedas. Chega a hora do jantar e os olhos dos moleques  da casa pareciam falar uns com os outros como se tivessem surpreendido o sinhô  contando dinheiro.

Mas os receios eram infundados. Constatando que nada fora  visto, Brás voltou ao escritório, examinou novamente o dinheiro, “e ri-me dos meus  cuidados materiais a respeito de cinco contos — eu, que era abastado”.

O episódio do embrulho não vem solto. O acaso já comparecera dias antes quando  Brás achara uma moeda de meia dobra e a entregara ao chefe de polícia para que  este descobrisse o legítimo dono. A ação lhe valera fartos elogios dos conhecidos e  algum respiro da consciência, na ocasião um tantinho opressa pelo início do seu caso  adulterino com Virgília.

O fato é que a dobra fora logo devolvida, ato acompanhado  de mil e um escrúpulos em torno do grande mal que é reter o bem alheio. Quanto aos  cinco contos, porém, a consciência não o culpava de nada. Ao contrário, tê-los achado tinha sido, pensando bem, sorte grande e merecida, seguramente um benefício  da Providência.

E esperando dar-lhes algum destino um dia, talvez com alguma boa  ação, Brás foi depositá-los no Banco do Brasil. Tudo se fez sem testemunhas.

A passagem da borboleta preta é mais breve. A borboleta pousara no retrato do pai  de Brás. Foi primeiramente enxotada, depois abatida com uma toalha por “um repelão  dos nervos”. A consciência do mal feito, da inútil brutalidade, logo aplacou-se ponderando que, para a borboleta, seria melhor ter nascido azul.

Solitário, o sujeito  dribla e anestesia rapidamente o sentimento de culpa. A violência do arbítrio exerce-se na relação do homem com a natureza na medida em que esta é inerme.

A recompensa devida ao almocreve, que o salvara de um desastre fatal, foi minguando na mente de Brás, que a baixa de três moedas de ouro a um cruzado  de prata, e mesmo esta simples pratinha pareceu-lhe uma demasia inspirando  remorsos ao moço rico. Nenhuma testemunha, de novo, a não ser os agradecimentos do almocreve, tão efusivos que reforçaram em Brás o sentimento desconfortável de que tinha sido pródigo na recompensa. A ingratidão é aqui estercada  pela sovinice — “eu que era abastado”.

A história do embrulho é toda permeada de fantasmas dos olhares dos outros, receios esconjurados tão só pela certeza de que eram vãos. A reflexão final merece  comentário. Brás riu de si mesmo, pois sendo endinheirado não deveriam ter-lhe  dado tantos cuidados aqueles cinco contos de réis. Perguntará o leitor: por acaso  um rico não pode ser avaro? Pois há ricos avaros entre parentes e conhecidos de

Brás, começando pelo Cotrim, o próspero cunhado. E há o velho Viegas, amigo  da família, cuja herança é objeto da cobiça de Virgília, também ela abonada... De  Brás sabe-se que é “gastão” consigo e dissipado com as amantes, de Marcela a Virgília.

A mesquinharia ocorre na sua relação com o pobre ou o desconhecido, e o fato de o  narrador pontuar incisivamente as obsessões sovinas que reconhece em si próprio  dá o que pensar. O que temos? Um traço peculiar ao rentista desocupado? Parece  que não precisamente.

A avareza, enquanto potência o egoísmo e leva a extremos o desassossego da autoconservação, pode obcecar tanto operosos como desocupados;     sendo ricos, como é o caso de Brás, ela torna-se particularmente ridícula, objeto de  auto-análise humorística: “E ri-me dos meus cuidados materiais a respeito de cinco  contos — eu, que era abastado”.

A autoconsciência é a cunha que dialetiza o tipo,  conservando-o e superando-o. O fato de a autoconsciência do ridículo exprimir-se  na voz do protagonista ainda vivo reforça a hipótese de que o narrador se constitua  dentro do autor, passado dentro do presente, memória dentro da consciência, uma  das versões possíveis de Brás Cubas que me proponho examinar adiante.

Num discurso confessional se expõe, a todo momento, sua verborrágica moral de sujeito. E, vem a alternância ou a mescla de autoacusações e álibis que se tecem nos diálogos, que está dentro e fora do personagem.

Leia-se neste último contexto o apelo que o narrador dirige ao leitor ao relembrar o adeus definitivo de Virgília. Brás declara que sentira alívio em vez  de cair em grande desespero.

Uma vez mais, o superego é solicitado a moderar  as suas possíveis censuras e baixar o tom dos preceitos de moral: “não se irrite o  leitor com essa confissão”.

O fato é que um excelente almoço no Hotel Pharoux  enterrara “magnificamente” o seu amor, aliás os seus amores — é o que o mesmo  leitor saberá, “realidade pura”, diz Brás, versus o “romanesco” dos que esperariam  do protagonista a expressão de profundos sentimentos.

De novo, temos realismo  em dois níveis: o que diz a “realidade pura” dos atos e fatos em regime denotativo,  e o que a interpreta e a conota para melhor julgá-la ou justificá-la.

No capítulo “Compromisso”, a dualidade se faz, de novo, patente. Brás (vivo) fala  de um acordo ou compromisso entre a piedade e o egoísmo pelo qual a consciência abonava a sua decisão de ir ter com Virgília depois de uma cena de arrufo.

Mas o defunto autor corrige a interpretação auto complacente do narrador: “Agora,  que isto escrevo, quer-me parecer que o compromisso era uma burla, que essa  piedade era ainda uma forma de egoísmo, e que a resolução de ir consolar Virgília  não passava de uma sugestão de meu próprio padecimento”

O escritor narra as manhas de um tipo social, aquele Brás que ele foi, enquanto  vivo; e em baixo contínuo profere o seu julgamento póstumo, pois quem fala é  o Brás defunto que, agora, ele é. O conhecedor de si mesmo transforma-se em  castigador de si mesmo — fórmula cara a Nietzsche que Augusto Meyer aplicou  ao narrador machadiano.

As três dimensões de Brás Cubas há o defunto-autor ou defunto-narrador e seus paradoxos e, rememorando as ações sem grandeza e armando as cabriolas de uma consciência mutável, e Brás desenvolve uma tática narrativa que não tem precedentes.

Há máximas ora atrevidas, ora desenganadas, teorias extravagantes, anedotas à primeira vista sem ligação com o contexto, digressões de vário tipo, ziguezagues com ruptura da ordem temporal e espacial, interlocuções frequentes e às vezes petulantes com o leitor.

A escrita “shandiana”, como a chamou Sérgio Paulo Rouanet  em penetrante ensaio, seria a forma adequada ao pensamento de Brás, transpondo como nenhuma outra a sua condição liberadora de defunto autor.

Trata-se de uma abordagem intertextual explorada pelas análises do discurso narrativo que ocuparam a cena universitária no imediato pós-estruturalismo. O estudo seminal de Mikhail Bakhtin[4] sobre sátira menipéia[5], portadora da mescla dos  gêneros, bem como a sua categoria de romance polifônico aplicada ao romance  de Dostoievski calaram fundo nos leitores sensíveis ao teor paradoxal e ao modo  jocoso-sério da dicção de Brás Cubas.

Identificam-se com a intencionalidade do narrador, de tal modo que os caprichos da forma acabam fazendo um só  corpo com as arbitrariedades da mente e os vaivéns da paixão. A forma, no caso,   sobredetermina, em parte ou no todo, a mensagem da obra.

Em um estudo pioneiro sobre as “Memórias póstumas”, José Guilherme Merquior atribuiu à tradição da sátira menipéia certos traços formais e psicológicos que estariam fundidos na  composição da obra: mistura do sério e do cômico, liberdades em relação à verossimilhança, preferência por estados de espírito aberrantes e, fundamentalmente,  o gosto de intercalar subgêneros que vão do fragmento puramente anedótico ao  mais inesperado excurso digressivo.

Procurando igualmente estabelecer uma linhagem literária de longa duração à  qual se filiariam as Memórias póstumas e os romances da maturidade, Enylton  de Sá Rego compôs uma tese rica de engenho e erudição, “O calundu e a panacéia”. Machado de Assis, a sátira menipéia e a tradição luciânica.

As afinidades com  vários procedimentos encontrados nas obras satíricas do Luciano de Samósata[6]  (escritor lido por Machado de Assis) fariam parte de uma vivaz  tradição paródica da literatura ocidental, a sátira menipéia.

Este gênero misto se  reconhece em Varrão (Satyrarum Menippearum Libri), em Sêneca (Apocolocintose),  em Erasmo (Elogio da loucura), em Robert Burnton[7] (Anatomia da melancolia) e,  de modo exemplar, nos romances de Laurence Sterne.

Bem nutrido das semelhanças o autor destaca o vezo das citações enciclopédicas trabalhadas em registro paródico (uma espécie de erudição galhofeira  peculiar a épocas saturadas de metalinguagem), o distanciamento irônico em relação às personagens e ao próprio narrador, o moralismo motejador e, no fundo,  não moralizante e, em primeiro plano, a combinação dos gêneros sério e cômico.

O ensaio de Rouanet concentra-se nas múltiplas similaridades entre as Memórias póstumas e Tristram Shandy[8]. As características comuns foram agrupadas pelo  ensaísta em quatro tópicos: a presença enfática do narrador; a técnica da com ­ posição livre, que dá ao texto a sua fisionomia digressiva e fragmentária; o uso  arbitrário do tempo e do espaço; a interpenetração de riso e melancolia.

Detenho-me no primeiro tópico, pois a presença enfática do narrador (ou a “hipertrofia da subjetividade”) corresponde em boa parte à característica  já definida por Augusto Meyer em termos de “perspectiva arbitrária” ou “capricho como  regra de composição”, e por Roberto Schwarz como “volubilidade”.

Mas, ao passo  que estes últimos a atribuem a disposições existenciais do autor ou a um viés de  classe social, Rouanet a compreende como traço narrativo estrutural de que a  obra de Sterne teria sido o modelo reconhecido pelo próprio Machado.

A narrativa de Shandy, sempre em primeira pessoa, é caracterizada por uma extrema  volubilidade do narrador e por sua arrogância, às vezes direta, às vezes mascarada por  uma aparente deferência.

Tristram Shandy é o protótipo de todos os narradores volúveis. Ele disserta sobre  todas as coisas, não esquecendo abotoaduras e botões. É tão cheio de opiniões como  seu pai, Walter, que tem ideias sobre a psicologia de Locke, sobre a influência dos  nomes no destino dos indivíduos (por um triste equívoco,   Tristram teria sido chamado  Trismegistus), sobre o formato dos narizes e sobre educação (ele resolve escrever  uma Tristapoedia para a educação de seu filho).

É um nouveau riche[9] da literatura  mundial. Alardeia um conhecimento de todos os séculos e de todas as nações em uma  exibição disparatada de erudição que vai de Cícero e Quintiliano a Rabelais, Montaigne,  Cervantes, Montesquieu e Voltaire.

Tristram não obedece a regras, nem mesmo às de plausibilidade ou de estética. Ele  dispõe de todas as convenções narrativas: “Devo pedir perdão ao sr. Horácio, pois ao  escrever não me confinarei quer a suas regras, quer a regras de quaisquer homens que  jamais existiram”.

É sabido que na sua relação com o leitor Tristram brinca, insultando,  humilhando-o e fingindo que está travando um diálogo, mas interrompendo  arbitrariamente a conversação o tempo todo. O tom começa respeitoso — o leitor é  “caro amigo e companheiro” — mas imediatamente depois ele passa a “um grande  ignaro e um palerma”. Às vezes, o narrador dá a suas infelizes vítimas a ilusão de que  são livres:

“Não posso dar-lhes melhor conselho do que saltarem o restante do capítulo, pois declaro antecipadamente tê-lo escrito para os curiosos e os indiscretos”. Mas  quem ousaria seguir esse caminho, se algumas linhas abaixo será repreendido por seu  impiedoso atormentador? “Como pôde, minha senhora, ter sido tão desatenta ao ler 0  último capítulo?”. [...]

Brás escorrega de uma posição para outra, de um sistema filosófico para outro. Exprime a  sua opinião sobre tudo. Pensa que joalheiros são indispensáveis ao amor. Não creia o leitor  que ele não tenha lido Pascal.

Não só o leu como discorda dele, pois o homem não é um caniço pensante, mas uma errata pensante, considerando que cada estação da vida é uma  edição que corrige as anteriores. De Pascal ele passa às botas; haverá prazer que se possa  comparar a descalçar um par de botas apertadas?

Naturalmente, vai um passo apenas das  botas a Aristóteles, o qual, por sua vez, não descobriu uma verdade achada por Brás, a  solidariedade do aborrecimento humano. Consciência moral? É um sistema de janelas  que abrem enquanto outras são fechadas.

A relação do narrador com o leitor move-se  através de todas as variações de sadismo desde a aparente deferência até a aberta agressão.

O olhar irônico aparece em expressões como “amado leitor”, ou em passagens em que parece tratar o leitor como adulto, delegando-lhe o julgamento: “Vou expor-lhe sumariamente o  caso. Julgue-o por si mesmo”. E vai ao extremo de atribuir ao leitor comentários argutos  que este não fez, e convidá-lo a colaborar no livro.

Por exemplo, o capítulo 52 não tem  título, o capítulo 55 não tem texto: faça a gentileza, caro leitor, de providenciar título e  texto. [...] Mas, como em Sterne, o respeito é enganoso. O leitor é infantilizado: “...não  esteja aí a torcer-me o nariz, só porque não chegamos à parte narrativa destas memórias”.

Ele é até mais repressivo com um leitor sensível que ousa desaprovar o comportamento  de Brás: “Retira, pois, a expressão, alma sensível, castiga os nervos, limpa os óculos”.

Ele  pode punir os seus leitores com um piparote no nariz, ou ameaçá-los de morte com  um sorriso escarninho que não esconde intenções homicidas: “Pela coxa de Diana! Esta  injúria merecia ser lavada com sangue, se o sangue lavasse alguma cousa nesse mundo”.

Os desaforos de Brás são vociferantes: “Leitor obtuso...” Com leitores tão incompetentes,  como se pode esperar que o seu livro seja bom?

Brás lava as mãos transferindo ao leitor  toda a responsabilidade pelas imperfeições da sua obra, “porque o maior defeito deste  livro és tu, leitor”. Ele despreza todas as convenções narrativas. Intervém constantemente  na narração, interrompendo-lhe o fluxo conforme o seu capricho.

É onipotente, pode  realizar milagres tais como escrever um livro após a sua morte. Identifica-se com Moisés, o  fundador de um povo, pois assim como Moisés, ele descreveu a própria morte. E é mesmo  ligeiramente superior a Moisés, ao menos de um ponto de vista literário, pois ao relatar  sua morte no início, o livro ganhou em galanteza e novidade.

A pertinência e os limites contextuais desse enfoque  à espera de uma análise detida de outros modelos além de Sterne (sem dúvida,  o principal), como o alegado e pouco estudado Xavier de Maistre, o admirável  moto-contínuo que é Jacques le fataliste[10], de Diderot, e as Viagens na minha terra,  de Almeida Garrett, cuja dicção se faz, em diversos momentos, presente nas Memórias póstumas.

Há um homem subterrâneo, através da leitura intertextual que é mais duradoura, há a ênfase às motivações e aos processos morais e cognitivos do narrador sátiro e humorista que regem as Memórias de Brás Cubas.

A obra fora mal acolhida pelo crítico Sílvio Romero que o julgou muito triste e, portanto pouco brasileiro, além de artificial. Aliás,  o humor machadiano encontrou melhor receptividade junto aos críticos mais esclarecidos como José Veríssimo e Alcides Maya. Esse último estudioso dedicou uma obra voltada ao humor entendido como processo definidor de modos de sentir, pensar e comentar do eu narrador da obra.

O humour machadiano é um comportamento simbólico peculiar, e não tem relação com caracteres nacionais, opondo-se à Taine que teve exclusivo privilégio dos autores ingleses. Alcides Maya aprofunda a imagem de um Machado melancólico (atributo que  lhe parece inseparável do humorista), cético e pessimista à beira do niilismo.

O que  não o impede de reconhecer um veio de sátira local na fixação de “caricaturas” de  alguns tipos da sociedade brasileira. De todo modo, a sua leitura tende à esfera  universalizante ao detectar no subjetivismo do humorista correntes ocidentais  modernas que confluem na liberdade romântica.

A comédia antiga e particularmente  a sátira romana[11] (“satura tota nostra est” dizia Quintiliano) extraíam o cômico da representação  não raro grotesca de tipos viciosos; faltava-lhes a angústia  da auto-análise própria da subjetividade moderna de que se alimenta o humorista.

A epígrafe do ensaio de Alcides Maya é significativa: “Je suis moy-mesme la matière  de mon livre” são palavras do criador do ensaio renascentista e, em sentido amplo,  moderno, Michel de Montaigne.

O ensaísta revela também razoável conhecimento  do idealismo alemão que, sobretudo nas reflexões estéticas de Hegel, concedera ao  humor um papel fundamental no processo de dissolução da arte romântica.

Nas aproximações conceituais de Alcides Maya[12] parecem estar subjacentes as reflexões hegelianas sobre o “humor subjetivo” que rematam A arte clássica e a arte romântica:

Não se propõe o artista dar, no humor, uma forma artística e acabada a um conteúdo  objetivo já constituído nos seus principais elementos em virtude das propriedades que  lhe são inerentes, mas insere-se, por assim dizer, no objeto, e emprega a sua atividade em

Não se propõe o artista dar, no humor, uma forma artística e acabada a um conteúdo  objetivo já constituído nos seus principais elementos em virtude das propriedades que  lhe são inerentes, mas insere-se, por assim dizer, no objeto, e emprega a sua atividade em dissociar e decompor, por meio de “achados” espirituosos e de expressões inesperadas,  tudo o que procura objetivar-se e revestir uma forma concreta e estável.

Assim se tira  ao conteúdo objetivo toda a sua independência, e consegue-se ao mesmo tempo abolir  a estável coerência da forma adequada à própria coisa: a representação passa a ser um  jogo com os objetos, uma deformação dos sujeitos, um vaivém e um cruzamento de  ideias e atitudes nas quais o artista exprime o menosprezo que tem pelo objeto e por  si mesmo.

Não se propõe o artista dar, no humor, uma forma artística e acabada a um conteúdo  objetivo já constituído nos seus principais elementos em virtude das propriedades que  lhe são inerentes, mas insere-se, por assim dizer, no objeto, e emprega a sua atividade em dissociar e decompor, por meio de “achados” espirituosos e de expressões inesperadas,  tudo o que procura objetivar-se e revestir uma forma concreta e estável.

Não se reconhecem, por acaso, nestas notações, traços do narrador Brás Cubas, ao  mesmo tempo lúdico e demolidor, desprezador dos outros e analista de si mesmo?

Mas o escavamento existencial da categoria humor caberia ao mais sutil dos leitores  de Machado de Assis, o crítico-artista Augusto Meyer.

A comparação fecunda  com os grandes moralistas seis-setecentistas franceses e ingleses, as afinidades  com o pessimismo de Leopardi e de Schopenhauer, as coincidências temáticas  (sem qualquer possibilidade de influência) com o relativismo de Pirandello[13] na figuração  do teatro da vida e suas “máscaras nuas”, enfim a curiosidade de discernir os móveis inconscientes do sujeito, que a Psicanálise estava explorando desde fins  do século XIX , apontam para a vigência de um contexto cultural denso e acabam  desenhando uma família de espíritos a que Augusto Meyer era particularmente  sensível.

 Graças à intimidade com esse estilo de pensar a vida pôde o crítico-poeta  entender como crescera solitária aquela “flor amarela e mórbida” da melancolia  que Brás reconhecia na sua alma chamando-a hipocondria. E, é graças à familiaridade com essa constelação de desassombrados analistas do eu moderno que o  crítico compõe a sua rica fenomenologia do humor machadiano. Humor que oscila entre a móvel jocosidade na superfície das palavras e um sombrio negativismo no cerne dos juízos.

Humor cuja “aparência de movimento” feita de piruetas e malabarismos mal disfarça a certeza monótona do nada que espreita a viagem que cada homem empreende do nascimento à hora da morte.

Humor que decompõe as atitudes nobres ou apenas convencionais, pondo a nuas razões do insaciável amor-próprio, das quais a vaidade é o paradigma e a veleidade  o perfeito sinônimo.

Humor que mistura a convenção e o sarcasmo na forma de máximas paradoxais.  Humor, enfim, que parodia as doutrinas do século, positivismo e evolucionismo,  sob o nome de Humanitismo, e as traz na boca de um mendigo aluado. Nada cancelaria “o pirronismo niilista que formou a raiz do seu pensamento” .

Embora não convenha atribuir ao ensaísta-poeta a adesão a qualquer método  fechado de análise do texto literário, parece-me que o seu modo de ler deve muito  à procura do sentimento fundamental, do tom dominante ou do “étimo espiritual”  que os Mestres da Estilística alemã e espanhola (Karl Vossler, Leo Spitzer, Damaso  Alonso, Amado Alonso, entre outros) herdaram da estética de Croce.

Assim, aquele seu “não ter método”, que lhe  atribuiu Otto Maria Carpeaux, aliás elogiosamente, significava, na realidade, uma  aderência às modulações da prosa machadiana, uma atenção sensível ora ao capricho da composição,  ora ao sentimento do nada que o espectador de si mesmo  surpreendia no fundo de todas as vaidades humanas.

Uma das conquistas dessa leitura só aparentemente impressionista é a intuição da  diferença de significado entre o narrador caprichoso das Memórias póstumas e o  espevitado Tristram Shandy. Há semelhanças que saltam à vista, mas, diz Meyer,  “a analogia é formal, não passa da superfície sensível para o fundo permanente.

A vivacidade de  Laurence Sterne[14] é uma espontaneidade orgânica, a do homem volúvel [...].  Sterne é um molto vivace da dissolução psicológica”. E adiante: “Em Machado, a  aparência de movimento, a pirueta e o malabarismo são disfarces que mal conseguem dissimular uma profunda gravidade —  deveria dizer: uma terrível estabilidade. Toda a sua trepidação acaba marcando passo.

Susan Sontag[15], leitora arguta e independente da fortuna crítica machadiana no Brasil, confirmou  essa observação de Augusto Meyer[16].No ensaio "Memórias póstumas: o caso de Machado de Assis", a ensaísta  aponta a diferença de tom que distingue o humor machadiano das brincadeiras do "tagarela" criado por  Sterne. Publicado em 1990 como prefácio a uma versão inglesa das Memórias póstumas, o texto de Sontag  integra a coletânea Questão de ênfase (São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 47-60).

Foi com muita galhardia que Augusto Meyer dispôs a interpretação das Memórias Póstumas como pseudo-autobiografia. E, são complexas as suas reações à tese que identifica o homem no autor.

Se, de um lado, o retrato do homem Joaquim Maria Machado  de Assis, isto é, a sua personalidade empírica (expressão devida a Croce), aparenta  o oposto do perfil destrutivo do criador de Brás Cubas, dando razão ao aspecto  enganoso, pseudo, da autobiografia, de outro lado, o ensaísta se compraz na imagem do homem subterrâneo, fórmula que é também a chave da sua com preensão de Dostoievski[17]. (De passagem, toda teoria literária se constrói, nos textos de  Meyer, tendo por horizonte a literatura comparada).

Junto à sondagem do homem subterrâneo o crítico explora uma outra dimensão  do narrador machadiano, o espectador de si mesmo. O demônio da análise nasce  da cisão entre o homem que age e a mente que se vê agir e se analisa a si mesma:

“O mal começa com a consciência demasiadamente aguda, pois o excesso de lucidez mata as ilusões indispensáveis à subsistência da vida, que só pode desenvolver-se num clima de inconsciência, a inconsciência da ação”

Ao excesso de lucidez segue-se a “evidente morbidez introspectiva”. Prossegue o  ensaísta: “Mas o verdadeiro drama da consciência doentia não se resume apenas  nisso, começa com o fato da consciência por amor à consciência, da análise por  amor à análise, — então sim nasce o ‘homem do subterrâneo’.

A vida chama, a  vida passa, mas ‘o voluptuoso, o esquisito, é insular-se o homem no meio de um  mar de gestos e palavras, decretar-se alheado, inacessível, ausente...’” .

Última citação de Meyer, extraída do capítulo  99 das “Memórias póstumas”. Brás estava no corredor de um teatro em que se representava uma ópera de grande público.

Acabara de ter um encontro casual com  Lobo Neves, o marido de sua amante, e ambos tiveram que representar afetando  naturalidade; logo depois, precisara escapar de Damasceno que o espreitava do  seu camarote e o cobiçava para genro. Voltando incólume e velozmente para seu   lugar, Brás mergulha em si mesmo como quem “se vinga” dos outros e da multidão,  “cujo amor cobicei até a morte”. É este o tempo de insulamento deleitoso que a frase citada colhe com sutileza e precisão: “o voluptuoso, o esquisito...”.

O leitor se apercebe da raridade daquele momento em que o eu parece destacar-se dos outros, que talvez estranhem o ensimesmamento; mas “o mais que podem dizer,  quando ele torna a si, — isto é, quando torna aos outros, — é que baixa do mundo da lua, mas o mundo da lua, esse desvão luminoso e recatado do cérebro, que  outra coisa não é senão a afirmação desdenhosa da nossa liberdade espiritual?”

Na imagem do desvão luminoso e recatado do cérebro Augusto Meyer encontraria  a confirmação da sua hipótese fecunda do homem subterrâneo, assim como na  afirmação desdenhosa de nossa liberdade espiritual vê-se contemplada a atitude  livre do analista dos outros e de si mesmo, que se refugia no mundo da lua antes  de tornar-se à representação do seu papel social: aquele tornar a si que é, na realidade,  um tornar aos outros.

A figura deste homem dividido, que age e se vê agir, que vive  e se vê viver, e se compraz na auto-análise tantas vezes cruel, está no narrador machadiano, mas quer-me parecer que a leitura pirandelliana de Augusto Meyer terá  contribuído para que o ensaísta a desenhasse com maior argúcia e exatidão.

Brás é o suporte subjetivo desses momentos autorreflexivos, provendo-os de uma  unidade tonal que surpreende se considerarmos o quanto há de acaso na trama e  de arbitrário nas intervenções do narrador. Mas a unidade de tom subsiste, a tal  ponto que a leitura sociológica julgou capturar em Brás um tipo fixando-o como  alegoria de uma determinada classe social, o rentista ocioso.

Não foi este o ângulo preferencial da interpretação elaborada por Augusto Meyer.  Fiel à sua leitura imanente, o crítico identificou a gênese das memórias de Brás, o  seu étimo, no sentimento do mundo e na percepção da História expressos já em  alguns poemas compostos por Machado no começo dos anos  oitenta e enfeixados  nas Ocidentais.

Como se sabe, entre fins de 1879 e primeiros meses de 1880 ganha  corpo a segunda maneira do romancista. O que a leitura biográfica tem apontado  como uma grave crise existencial motivada por um esgotamento físico, Augusto  Meyer detecta em termos de afloramento de imagens e de concepções radicalmente negativas da natureza e da humanidade.

O narrador que comporia a prosa alegórica do delírio de Brás, esculpindo o vulto de  uma gigantesca Mãe-madrasta indiferente ao destino das suas criaturas, e moveria o desfile dos séculos esvaziando-o de qualquer sentido progressista, era o mesmo poeta  de “Uma criatura”, “O desfecho” e “No alto”, cujos versos traziam os estigmas do niilismo, o  avesso imutável da superfície móvel que são as palavras e os gestos de Brás Cubas.

A construção social ou, a rigor, psicossocial do narrador machadiano começou com o método biográfico. O fruto maduro veio com a obra notável  de Lúcia Miguel-Pereira, “Machado de Assis. Estudo crítico e biográfico”, que saiu  em 1936.

Joaquim Maria, menino pobre, mulato e epiléptico, mas protegido por  uma rica madrinha, de que seus pais eram agregados, subiu na escala social pelo  seu talento enorme e não menor capacidade de trabalho. Deu bem cedo as costas  para a família e, ao longo da década de 1860, integrou-se no jornalismo liberal,  fez amigos influentes, ingressou no funcionalismo e casou-se com uma mulher  branca, portuguesa, de excelente nível intelectual.

Carolina, embora não fosse de  origem fidalga (era filha de um relojoeiro estabelecido no Porto), aparentara-se  no Rio com os condes de São Mamede, que Machado passou a frequentar. Em  suma, Joaquim Maria, antes de chegar aos trinta anos de idade, mudara de classe.

Dessa trajetória dependeriam certas vertentes temáticas da sua ficção: o interesse  pela representação das assimetrias comuns em uma sociedade na qual, fora da  condição escrava, o pobre era quase sempre um agregado; as relações de favor,  arbitrárias da parte do rico, servis ou susceptíveis da parte do dependente;  a justificação do comportamento ambicioso atribuído a afilhadas de madrinhas abastadas.

É um quadro que se reconhece nos romances escritos nos anos de setenta (A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia) e em Casa velha, cuja data de composição ainda está  por apurar. Nesses enredos afloram como temas vivos ora a humilhação enfrentada dignamente,  ora a ambição dissimulada de moças que o destino fez viverem  na gaiola dourada do favor. O narrador parece aceitar constrangido a lógica do  paternalismo dando-nos a ver ora o seu direito, ora o seu avesso.

Quanto ao salto dado pelas Memórias póstumas, entre 1879 e 1880, é interpretado pela biógrafa sobretudo em termos psicológicos, mesmo porque a ascensão social de Machado, naquela altura dos seus quarenta anos, já estava bem consolidada.

Havia muito que ascendera, desde os fins dos anos de 1860, antes portanto da composição dos seus primeiros romances.

Doença, crise de ceticismo, disposições “mórbidas”, surto de pessimismo, “perda de todas as ilusões sobre os homens” (confissão feita a Mário de Alencar),  intimidade de leitor com a tradição corrosiva dos humoristas ingleses e dos moralistas franceses: eis as motivações próximas alegadas para entender a sensível mudança de perspectiva e de tom, de composição e de linguagem narrativa operadas nas memórias de Brás Cubas.

Razões todas plausíveis, de largo espectro existencial e cultural, embora difíceis de precisar. O certo é que secundaram a virada do escritor no sentido de uma erosão dos valores convencionais ainda presentes na construção dos primeiros romances. Interpretação da primeira fase do narrador, Lúcia Miguel-Pereira recorre,  em parte, ao que venho apontando como a segunda versão de Brás Cubas, mas  acrescida de um diagnóstico: o analista autoirônico também seria “o primeiro  dos tipos mórbidos em que extravasou as próprias esquisitices de nevropata”.

A conotação nosológica será um tributo a certas tendências da crítica biográfica  dos anos de 1930 e 40? É provável. Reponta aqui a hipótese do “desdobramento  da personalidade” do espectador de si mesmo, já trabalhada por Augusto Meyer  quando viu em Brás Cubas o homem subterrâneo, o lado oculto do funcionário  exemplar, do acadêmico de maneiras diplomáticas.

A autora não deixa de mencionar,  de passagem, a presença do quadro social, no caso, “a crítica da organização  servil e familiar de então”, mas no conjunto a ênfase incide na relação profunda  entre autor e narrador: “Brás Cubas e Machado se confundem”.

Eis que o dilema está pronto e exposto: pois Brás nasce, vive e morre e sobrevive dentro do escritor Machado de Assis, como avesso ou sombra inarredável da dinâmica existencial do escritor.

Ou Brás Cubas é exterior ao autor, enquanto montagem de um tipo local, um  proprietário ocioso que viveu durante o Brasil imperial? Autoironia estilizada em  termos narrativos, ou construção de um tipo particular julgado objetivamente pelo  seu autor? Qual o tom fundamental das memórias? Humorístico ou satírico?

A segunda alternativa foi preferida pela crítica sociológica de estrita observância. Com diferenças de tônica e estilo, vem de Astrojildo Pereira a Roberto Schwarz, passando por Raymundo Faoro. O cerne do argumento é a consideração do narrador-protagonista como espelho ou voz da sua classe social. A atenção aos traços ideológicos típicos tende a ocupar o analista às vezes em prejuízo da sondagem das diferenças individuais.

A tese é relativizada parcialmente em Machado de Assis. “A pirâmide e o trapézio”[18] (1974), de Raymundo Faoro, que a tempera com a forte presença do olhar dos  moralistas franceses e dos humoristas ingleses na formação do ponto de vista do  defunto autor. Faoro desenvolveu o seu estudo em torno da ideia de um Brasil entre patriarcal e

capitalista, tradicional, mas já em vias de modernização: uma sociedade ainda em formação onde as classes proprietárias aspiravam a ocupar também as camadas altas na hierarquia dos estamentos. O nosso rico Brás deseja ser ministro de estado

 (o velho Cubas o exortava a primar na política) ou galgar os píncaros da fama com a invenção do seu emplasto anti-hipocondríaco. Lobo Neves acalenta o sonho de ser marquês; assim Virgília seria marquesa, veleidade que motivou a sua primeira ruptura com Brás... Herdeiros afortunados ou sôfregos especuladores da praça,

Rubião e Palha (em Quincas Borba), Cotrim (nas Memórias póstumas), Santos e Nóbrega (em Esaú e Jacó) desejam virar titulares do Império. A ambição de obter status e aparentá-lo dá-lhes traços comuns, típicos, segundo os classificaria a sociologia weberiana, uma das matrizes do pensamento de Raymundo Faoro.

No  dizer de Brás Cubas foi elaborada  por Schwarz em Um mestre na periferia do capitalismo (1990). A gênese das características de pensamento, composição narrativa e estilo do Machado maduro  (o humorismo, o ceticismo, a mistura jocoso-séria, a livre interlocução com o leitor)  é identificada com a ideologia de um personagem-narrador burguês posto em  um contexto escravista e patriarcal.

O caráter volúvel de Brás — já detectado  por Augusto Meyer em termos lúdicos e formais como “capricho” e “perspectiva arbitrária” do humorista — seria, antes, condicionado pelo quadro histórico  em que se formou o protagonista: uma nação atrasada que, no entanto, adotava “disparatadamente” o ideal liberal europeu. À luz desse desajuste entre ideologia  e realidade seriam inteligíveis os conteúdos mutáveis da mente de Brás, efígie ou  alegoria do Brasil imperial. (In: FAORO, Raymundo. Machado de Assis. A pirâmide e o trapézio. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1974. Fiz alguns  comentários sobre o livro em "Raymundo Faoro leitor de Machado de Assis". Revista de Estudos Avançados n. 51, maio/ago. de 2004, p. 355-76).

São duas as teses que aqui se imbricam: (a) a composição livre, em vaivéns, do texto ficcional é condicionada por modos de ser de um tipo que é rico e desocupado;  em outras palavras, a volubilidade do narrador aparece como uma das expressões da ociosidade abastada em uma formação social escravista, logo como efeito subjetivo das desigualdades de classe; (b) o tipo, por sua vez, é explicável pelo contexto ideológico brasileiro julgado “fora de lugar”

O olhar macrossociológico tende, por sua lógica interna, a ser totalizante na medida em que subordina à situação local tanto os traços formais como  os existenciais, objetos específicos das visadas anteriores.

Estamos em face de um princípio doutrinariamente reducionista, mas analiticamente fecundo: forma narrativa e ethos dependeriam da posição socioeconômica do narrador, que pode ser testada direta ou indiretamente em vários episódios das Memórias póstumas.

Reexaminando as três versões que a crítica tem dado ao narrador e protagonista Brás Cubas, podemos qualificar a primeira como construtiva, a segunda como expressiva e a terceira como mimética. Construção, expressão e representação são termos-chave para o entendimento da obra ficcional e atendem às diferentes dimensões que a integram.

O tipo social, no caso o rentista ocioso (nível da representação), expõe-se, analisa-se e julga-se a si mesmo (nível da expressão: humor, misto de galhofa e melancolia); quanto à estratégia narrativa, acionada para dizer essa contradição, Machado escolheu a figura do defunto autor e a "forma livre", com todas as suas bizarrias de composição e linguagem inspiradas em Sterne e na prosa auto-satírica (nível da construção literária).

O nó problemático se dá quando se atribui a um de seus níveis o caráter sobredeterminante, ou seja, o estatuto de matriz dos demais. Toda determinação unilateral padece da dificuldade de compreender o que foi multiplamente elaborado, ou seja, a densidade do concreto individualizado. em primeiro lugar, um Brás Cubas prestidigitador que se diverte em jogar com dados díspares da sua imaginação e da memória cultural, a começar pelo paradoxo de inventar-se como defunto autor. Não se pode negar que há nas memórias de Brás um programado exercício lúdico de fraseio e composição.

Machado rompeu abertamente com o molde convencional do romance linear que presidira à sua primeira fase. As suas  menções a Sterne, a Xavier de Maistre e a Garrett não são vazias nem im procedentes.

A vontade-de-estilo guiou efetivamente a composição das suas lembranças póstumas: “ Trata-se de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a  forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas  rabugens de pessimismo”.

Adiante, distingue-se dos “seus modelos”, que não partilhariam do seu “sentimento amargo e áspero”. Trata-se, portanto, de franca eleição  de moldes narrativos, um ato de intencionalidade estética que não deveria ser  pendurado, sem mediações, em uma genérica filosofia pessimista do autor, nem  no fato localizado de ser Brás herdeiro de uma família de posses residente no Rio  de Janeiro no século XIX.

Nem o pessimismo, abstratamente considerado, nem disponibilidades financeiras  determinam este ou aquele esquema narrativo, estes ou aqueles modos estilísticos.  Parece mais razoável acolher a qualidade específica da bizarria compositiva das

Memórias póstumas e compreendê-la no interior do projeto narrativo que ela efetua, ao invés de deduzi-la de uma filosofia coesa ou reduzi-la a um epifenômeno  de classe.

Isto posto, a adoção do modelo “forma livre”, embora seja fator inerente à estrutura do romance, não esgota as potencialidades do narrador. Tudo quanto a segunda dimensão de Brás aponta como lastro e perspectiva existencial (humor, melancolia, ceticismo, captação do nonsense dos destinos individuais) está declarado  no prólogo do autor com aquela expressão lapidar, “sentimento amargo e áspero”.

Machado prestou a seus leitores e críticos o favor de distinguir claramente o molde formal e o sentimento difuso que penetra a obra inteira e “está longe de vir dos  seus modelos. É taça que pode ter lavores de igual escola, mas leva outro vinho”.

Frase que poderia servir de epígrafe ao pensamento relativizador que se propõe  neste ensaio. Em um texto que já está fazendo setenta anos, Augusto Meyer retomou, como se viu, a distinção feita pelo próprio Machado.

O pathos machadiano foi vertido em molde imitado, o que é o limite deste, e o limite da tese intertextual, cujo mérito é ter reconhecido a originalidade do projeto  literário que norteou o autor das Memórias.

A leitura sociológica trouxe contribuições relevantes para a construção da imagem de  um Machado brasileiro. O seu olhar poderá ser cada vez mais iluminador na medida  em que se abstiver de assumir uma função totalizante e monocausal e na medida em  que reconhecer o caráter multiplamente determinado do texto, no sentido proposto  pela dialética hegeliano-marxista para a compreensão do concreto individual.

Astrojildo Pereira ateve-se à tese ortodoxa da literatura como reflexo da sociedade, acompanhando de perto a vulgata de Plekhanov. A sua obra vale pela riqueza  de elementos documentais que retira das páginas machadianas. O aspecto remissivo do seu método de leitura sobreleva as dimensões expressivas e criativas do texto ficcional.

Machado de Assis, ao escrever as Memórias Póstumas, entre 1879 e 1880, continuava a  ser um liberal democrático, isto é, antioligárquico e abolicionista, embora já não  militasse, desde 1867, na imprensa oposicionista.

Todas as estórias narradas e escritas pelo Bruxo do Cosme Velho serviram para contar sobre a história do Brasil, de sua desigualdade social, política e cultural. Da iniciática república brasileira que paradoxalmente fora proclamara por um Marechal monarquista... Enfim, Machado de Assis nos revelou bem mais que a história brasileira, da brasilidade ou mesmo de uma possível identidade nacional, revelou valores que até contemporaneamente importam e circundam a existência humana.

Era negro, epiléptico, gago e genial e, jamais negou sua etnia, não obstante constar em sua certidão de óbito que era branco. Nasceu negro, mas morreu branco. Será mais uma ironia?

 

 

Referências

Academia Brasileira de Letras. Disponível em < https://bit.ly/2Mc70LO >

AGUIAR, Luís Antônio. Almanaque Machado de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2008.

ALCANTARA FILHO, Wolmyr Aimberê, 1978- Da negação do nacional ao nacional negativo : a crítica sobre  Machado de Assis (do oitocentos ao contemporâneo), 2017.

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[1] Os "faits divers" se misturam com as notícias do dia a dia e assuntos mais sérios. Como escreveu o filósofo francês Roland Barthes, "não é necessário conhecer nada do mundo para consumir um fait divers; ele não remete a nada mais, além dele mesmo" (1966). O gênero aproxima ao máximo o jornalismo da narrativa romântica de folhetim, o que torna essas notícias ainda mais interessantes.

[2] Alfredo Bosi (1936-2021) foi professor emérito da Universidade de São Paulo, crítico, historiador da literatura brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras de 2003 a 2021. Tendo publicado sua História Concisa da Literatura Brasileira em 1970, obra de referência obrigatória que já está em sua 50a edição, passa a prevalecer em sua formação a Literatura Brasileira. Em 1971, transfere-se para o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, onde ministra a disciplina Literatura Brasileira, tornando-se titular em 1985.

[3] François, Duque de La Rochefoucauld foi um moralista francês, François 6º, príncipe de Marcillac e, mais tarde, duque de La Rochefoucauld, nasceu em Paris a 15 de setembro de 1613 e morreu na mesma cidade na noite de 16 para 17 de março de 1680. La Rochefoucauld foi um dos introdutores, e certamente o maior cultor do gênero de máximas e epigramas, divertimento social que ele transformou em gênero literário, escrevendo textos de profundo pessimismo. Seu mais famoso livro, "Reflexões ou sentenças e máximas morais", apareceu pela primeira vez em 1664. Além das "Reflexões", La Rochefoucauld escreveu sua autobiografia, "Memórias de MDLR sobre as intrigas com a morte de Luís XIII, as guerras de Paris e da Guiana e a prisão dos príncipes", que engloba o período entre 1624 e 1632, e que de uma certa maneira serve de base para as conclusões desenvolvidas nas "Reflexões". Sua obra influenciou profundamente três outros filósofos: Friedrich Nietzsche, Emil Cioran e Matias Aires.

[4] Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895 - 1975) foi um filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia e das artes Bakhtin foi um verdadeiro pesquisador da linguagem humana, seus escritos, em uma variedade de assuntos, inspiraram trabalhos de estudiosos em um número de diferentes tradições (o marxismo, a semiótica, estruturalismo, a crítica religiosa) e em disciplinas tão diversas como a crítica literária, história, filosofia, antropologia e psicologia. Embora Bakhtin fosse ativo nos debates sobre estética e literatura que tiveram lugar na União Soviética na década de 1920, sua posição de destaque não se tornou bem conhecida até que ele  foi redescoberto por estudiosos russos na década de 1960. É criador de uma nova teoria sobre o romance europeu, incluindo o conceito de polifonia em uma obra literária. Explorando os princípios artísticos do romance, François Rabelais, Bakhtin desenvolveu a teoria de uma cultura universal de humor popular. Ele é dono de conceitos literários como polifonia e cultura cômica, cronotopo, carnavalização, menippea (um eufemismo em relação à linha principal e levando o desenvolvimento do romance europeu no "grande momento"). Bakhtin é autor de diversas obras sobre questões teóricas gerais, o estilo e a teoria de gêneros do discurso. Ele é o líder intelectual de estudos científicos

e filosóficos desenvolvidos por um grupo de estudiosos russos, que ficou conhecido como o "Círculo de Bakhtin".

[5] A sátira menipeia é uma forma de sátira escrita geralmente em prosa, com extensão e estrutura similar a um romance, caracterizada pela crítica às atitudes mentais ao invés de a indivíduos específicos. Teria sido criada por Menipo, escritor grego antigo cujas obras não restaram, mas foi principalmente mantida por Luciano de Samósata e Marco Terêncio Varrão. ‘Outras características são as diferentes formas de paródia e crítica aos mitos da cultura tradicional. O termo é geralmente utilizado por gramáticos clássicos e filólogos para diferenciar as sátiras em prosa (por oposição às sátiras em verso de Juvenal e imitadores). As atitudes mentais típicas ridicularizadas pelas sátiras menipeias são os "pedantes, os sectários, os excêntricos, os arrivistas, os moralistas, os entusiastas, os rapaces e os incompetentes, que são tratados como doenças do intelecto". O termo se diferencia da sátira praticada anteriormente por Aristófanes, por exemplo, que era baseada em ataques pessoais. O gênero é importante para Bakhtin, que o considera uma das origens do romance polifônico. A sátira menipeia teria influenciado vários autores posteriores, como Rabelais, Erasmo de Roterdã, Voltaire, entre outros.

[6] Luciano de Samósata gr. Λουκιανὸς ό Σαμοσατεύς) nasceu em 125 em Samósata, na província romana da Síria, e morreu pouco depois de 181, talvez em Alexandria, Egito. De certo, pouca coisa se sabe a respeito de sua vida, mas o apogeu de sua atividade literária transcorreu entre 161 e 180, durante o reinado de Marco Aurélio. De origem possivelmente semita, Luciano escreveu em grego e se tornou conhecido notadamente pelos diálogos satíricos. Satirizou e criticou acidamente os costumes e a sociedade da época e exerceu, a partir da Renascença, significativa influência em escritores ocidentais do porte de Erasmo, Rabelais, Quevedo, Swift, Voltaire e Machado de Assis. A ele foram atribuídas mais de 80 obras, conhecidas em conjunto por corpus lucianeum ("coleção luciânica"), dentre as quais pelo menos uma dezena é apócrifa. As mais conhecidas são (Uma) História Verdadeira (ou História Verídica), O Amante das Mentiras, Diálogo dos mortos, Leilão de vidas, O burro Lúcio, Hermotimo, A passagem de Peregrino e [Os dois] Amores. Em Uma História Verdadeira, Luciano relata uma fantástica viagem à Lua, menciona a existência de vida extraterrestre e antecipa diversos outros temas popularizados durante o século XX pela ficção científica. Em A passagem de Peregrino legou-nos uma rara abordagem do cristianismo segundo o ponto de vista de um não-cristão.

[7] Robert Burton (Lindley, 8 de fevereiro de 1577 – Oxford, 25 de janeiro de 1640) foi um acadêmico inglês e vigário da Universidade de Oxford, muito conhecido pela obra The Anatomy of Melancholy, produzida em 1621, pioneira no estudo das doenças mentais. A obra mais famosa e maior conquista de Burton foi The Anatomy of Melancholy. Publicado pela primeira vez em 1621, foi reimpresso com acréscimos de Burton nada menos que cinco vezes. Uma obra digressiva e labiríntica, Burton escreveu tanto para aliviar sua própria melancolia quanto para ajudar os outros. A edição final chegou a mais de 500 000 palavras no total. O livro é permeado por citações e paráfrases de muitas autoridades, tanto clássicas quanto contemporâneas, somando o ponto culminante de uma vida inteira de erudição.

[8] A Vida e Opiniões de Tristram Shandy (título completo em inglês: The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman) é um romance escrito por Laurence Sterne. Foi publicado em nove volumes, os dois primeiros lançados em 1759, e os outros sete a partir dos próximos 10(dez) anos. O livro foi um sucesso junto da crítica. Segundo o crítico literário Harold Bloom, Tristram Shandy influenciou a obra de diversos escritores, de Goethe e Diderot, passando por Balzac e Dickens, até chegar a Thomas Mann, James Joyce, Samuel Beckett e Machado de Assis.

[9] Pessoa originária de classe social baixa que enriquece subitamente, mas que mantém um estilo de vida, gostos e modos considerados vulgares pelas classes mais altas.  Novo-rico (calque do francês nouveau riche; em inglês new money), é um termo derrogatório usado para descrever pessoas cuja riqueza tenha sido obtida na sua geração, ao invés de pôr forma sequencial, sobretudo hereditária. É frequentemente usada para criticar estilos comportamentais, como a ostentação da riqueza, associados à procura de notoriedade e de reconhecimento, em contraste com os old moneys, que preferem, na generalidade, a quietude e estilos de bens mais clássicos. Vários exemplos de comportamentos associados aos novos ricos são a compra de carros de alta cilindrada com cores vivas, a compra de casas em estilo moderno e de roupa de alta-costura com predomínio de logotipos. Entre os visados estão por norma novas celebridades, futebolistas ou rappers, predominantemente associados a casos em que a mudança estatutária e financeira ocorreu na sua própria geração, bem como o fascínio monetário.

[10] Numa estrada do século XVIII, Jacques viaja com seu amo. Enquanto seguem seu caminho, o empregado tenta convencer o patrão de que o destino é inelutável. O relato dessa viagem é obra do enciclopedista Denis Diderot (1713-1784), mas só agora ganha edição no Brasil. Seu grande trunfo é levar o leitor a um  questionamento filosófico sempre vivo -afinal, seremos ou não autores de nossa existência?- de forma divertida e leve. Cada fala, como numa peça de teatro -ou um diálogo, como convém a um filósofo-, é precedida pelo nome do personagem. Não se trata, porém, somente da conversação, uma vez que um narrador, dirigindo-se ao leitor (um dos traços que fazem com que a obra possa ser vista como precursora do realismo  do século seguinte), interrompe, descrevendo o ambiente ou sugerindo fatos que poderiam ou não acontecer a partir da situação apresentada pelo diálogo.

[11] A sátira vive para zombar da principal definição que Aristóteles dá do homem, o “animal racional”, mas é um impulso tão universal que ilustra como ninguém as outras duas, a de “animal político” e “animal que ri”. Não por acaso, quando a política no mundo antigo atingiu um máximo de complexidade na República e no Império de Roma, a sátira nasceu como gênero literário e recebeu sua forma poética parasitando, ou melhor, parodiando outros gêneros como a lírica, a didática, a inventiva, a comédia e a filosofia. O próprio termo satura significa vulgarmente algo como “mistureba”, uma saturação de substâncias heteróclitas, como as comilanças oferecidas aos deuses, ou as linguiças, ou as miscelâneas de leis e jurisprudências. Como a epopeia, a sátira é uma espécie de micromundo. Mas se os poetas épicos celebram o mundo passado – com seus heróis, deuses, ritos, festivais, triunfos nacionais – os satiristas expõem, protagonizam, punem e instruem o mundo presente – a política, as guerras, o comer e o beber, o fazer dinheiro e os vícios, abusos, tolices e incoerências da vida pública e privada.

[12] Alcides Maia (Alcides Castilho Maia), jornalista, político, contista, romancista e ensaísta, nasceu em São Gabriel, RS, em 15 de setembro de 1878, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 2 de outubro de 1944. Seu pai, Henrique Maia de Castilho, era funcionário federal e de origem citadina. Em Ruínas vivas, Tapera e Alma bárbara, Alcides Maia descreve a região da campanha, com seus usos e costumes, e registra a violência no campo, o êxodo rural e a formação dos bolsões de miséria decorrentes de modificações nos modos de produção das estâncias gaúchas. Representou o Rio Grande do Sul na Câmara dos Deputados, no período legislativo de 1918 a 1921. Integrante do Partido Republicano, sua atividade parlamentar era voltada à preocupação  com os problemas da educação e cultura. De 1925 a 1938 residiu em Porto Alegre, com breve incursão ao Rio de Janeiro, decorrente de sua participação na Revolução de 1930. Em Porto Alegre dirigiu o Museu Júlio de Castilhos,  até se aposentar, e colaborou no Correio do Povo. Retornou ao Rio de Janeiro em 1938, onde viveu os últimos anos de sua vida, escrevendo para o Correio do Povo e frequentando a Academia Brasileira de Letras quando podia. Cinco anos após sua morte, seus restos mortais foram trasladados para o Panteon Rio Grandense, em Porto Alegre.

[13] Luigi Pirandello ( 1867- 1936) foi um dramaturgo, poeta e romancista italiano. Foi um grande renovador do teatro, com profundo sentido de humor e grande originalidade. Suas obras mais famosas são: Seis personagens à procura de um autor, Assim é, se lhe parece,  Cada um a seu modo e os romances O falecido Matias Pascal, "Um, Nenhum e Cem Mil", "Esta Noite Improvisa-se", etc. Sua primeira peça de teatro foi O Torniquete escrita entre 1899 e 1900 e encenada pela primeira vez em 1910. Sua obra A Patente, uma comédia de um ato, teve boa repercussão. A 23 de setembro de 1931, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, de Portugal. Recebeu o Nobel de Literatura de 1934.

[14] Laurence Sterne (Clonmel, Irlanda, 24 de novembro de 1713 – Londres, 18 de março de 1768) foi um escritor e clérigo anglicano irlandês, famoso pelo seu romance A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy. Aos dez anos de idade, Sterne foi mandado para Halifax, na Inglaterra, para estudar. Anos mais tarde, estudou no Jesus College (Cambridge) e se tornou pastor da Igreja Anglicana em Yorkshire, eventualmente se tornando pastor remunerado da Catedral de Iorque em 1733. O bisavô de Sterne fora ordenado arcebispo de Iorque em 1664. "A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy" foi originalmente publicado em vários volumes, os dois primeiros aparecendo em 1759, e os demais no decorrer dos dez anos seguintes. Controverso, o livro teve reações dissonantes entre os escritores da época, mas o humor grosseiro foi bem aceito pela sociedade londrina. Hoje, o livro é tido como precursor do fluxo de consciência. Mais tarde, Sterne publicou "Jornada Sentimental pela França e Itália" (1768) baseado em suas viagens pela Europa devido à tuberculose, além de diversos sermões. Sterne morreu em Londres. Seu corpo foi roubado após a morte, tendo sido assunto de uma aula de anatomia em Cambridge, antes de ser devolvido ao túmulo.

[15] Susan Sontag (1933-2004)foi uma premiada escritora, ensaista, cineasta, filósofa, professora, crítica de arte e ativista dos Estados Unidos. Escreveu extensivamente sobre fotografia, cultura e mídia e atuou nas causas antiguerra, em prol dos direitos humanos e campanhas sobre a AIDS. Além de posicionada ideologicamente no campo da esquerda, Sonstag era bissexual. Seus ensaios normalmente repercutiam bastante e ela foi descrita como "uma das críticas mais influentes de sua geração".

[16] Augusto Meyer (1902-1970) foi jornalista, ensaísta, poeta, memorialista e folclorista brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia. Um dos pioneiros do Modernismo literário no Rio Grande do Sul, um dos mais fecundos críticos de Machado de Assis, um dos principais estudiosos da obra de Marcel Proust no Brasil, e um dos maiores nomes da literatura gaúcha do século XX, em 1947 recebeu o Prêmio Filipe de Oliveira na categoria Memórias e, em 1950, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra.

[17] Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski foi um escritor, filósofo e jornalista do Império Russo. É considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história, bem como um dos maiores "psicólogos" que já existiram. O autor fazia parte do círculo de Petrachévski, um grupo de intelectuais descontentes com o czarismo. Por isso, foi preso em 1849 e condenado à morte. Porém, momentos antes do cumprimento da sentença, teve a pena capital transformada em prisão com trabalhos forçados.

[18] Neste trabalho monumental, Raymundo Faoro destrincha o funcionamento da sociedade brasileira durante o Segundo Reinado a partir da obra de Machado de Assis .Quase duas décadas depois da publicação de sua obra-prima, Os donos do poder, Raymundo Faoro aprofunda sua tese sobre o patrimonialismo brasileiro em Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. Este livro combina análise política e crítica literária para oferecer um estudo refinado de nossa.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 15/07/2024
Código do texto: T8107439
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