Santo Agostinho enfatizava a importância de refletir sobre a mortalidade, dizendo que “devemos pensar na morte uma vez por dia para manter a perspectiva espiritual.” Dizia que essa prática diária nos ancora à realidade e nos ajuda a valorizar cada momento da vida.
Ultimamente, tenho recebido pelo correio, algo comum aqui nos Estados Unidos: envelopes contendo pacotes de funeral. Outro dia abri um deles para ver como era feito e fiquei impressionada com a criatividade americana; o pacote inclui tudo o que se possa imaginar - fotos e vídeos, programa para o funeral, livros de condolências, impressão digital para criar medalhinhas, joias feitas com as cinzas, marcadores de livros, velas e uma infinidade de itens. Você já ouviu falar no "Disk-finado"? Você liga e "ouve 1 minuto de silêncio". Isso é só para quebrar o gelo do assunto.....
Você já se deparou com algo assim? Você algumas vezes pensa na morte?
O primeiro funeral a que assisti nos EUA foi o da mãe do Scott, Vice-Presidente da empresa em que eu trabalhava. Sempre falava com ela ao telefone; uma senhora simpática e acolhedora. Quando entrei na Casa Funerária, havia um livro na entrada para assinarmos nossos nomes. Assim que assinei, vi o Scott vindo em minha direção. Ele me tomou pela mão e me conduziu até a mãe. Lá estava ela, muito maquiada, com cabelo impecável e vestida elegantemente. Então, Scott me perguntou: “Está bem a minha mãe, não está?” E eu, com meus pensamentos, respondi: “Bem? Não, ela está morta.”
A estranheza daquele momento ainda me marca. Ao lado do caixão, havia uma mesa com comes e bebes. Uma pessoa se aproximava, dava uma rápida olhada para o caixão, uma leve choradinha e retornava para a mesa. De repente, começou a tocar uma seleção de músicas escolhidas pelos filhos, aquelas que ela mais amava. Após algumas canções, os filhos compartilharam lembranças sobre a mãe. Foi um momento bonito, mas também muito frio. A celebração da vida pode ser um conforto, mas muitas vezes parece faltar um calor humano genuíno, coisas de americano.
Hoje, conversando com uma amiga muito querida do Brasil - que trabalhou comigo e era uma excelente planejadora de produção - me surpreendeu ao dizer que já está "planejando" sua própria morte. Eu disse: “O quê?” Ela estava elaborando uma lista de músicas, decidindo quem deveria ser avisado, e rimos muito sobre isso. Não é algo que eu desejo para mim. Não quero que alguém fique ouvindo música e comendo salgadinho enquanto eu estou ali, mortinha e sem poder socializar.
Quando eu morrer, não farei nenhum aviso. Vou desaparecer das redes sociais, e não quero choro nem vela…