Entre Sem Bater - Sociedade em Vertigem

Paulo Freire disse:

"... se a educação sozinha não transforma a sociedade sem ela tampouco a sociedade muda ..."(1)

O educador e filósofo Paulo Freire sempre demonstrou sua qualificação na prática. Seus trabalhos, como a coleção sobre "pedagogias" não encerraram, mesmo após a sua morte. Com toda a certeza, as frases deste brasileiro com reconhecimento planetário, serão uma constante na trilha "Entre sem bater". Em "Pedagogia da Indignação"(*) temos, por exemplo, ideias que fariam nossa sociedade avançar, mas a vemos em vertigem.

SOCIEDADE EM VERTIGEM

As predições de Paulo Freire, em seu último texto(2) enquanto vivia, não eram alarmistas, mas realistas e cruéis. Nossa sociedade, em vertigem há muitas décadas ou séculos, não consegue se livrar dos grilhões que recebeu de herança.

O pensamento do texto é positivo, a leitura que muitas pessoas fazem da ideia e de Paulo Freire é que demonstra a perversidade atual.

"... Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade sem ela tampouco a sociedade muda ..." (Paulo Freire)

Neste contexto, a expressão "em vertigem" tornou-se uma modernidade para explicar tudo aquilo que sofre declínio sem perspectivas de melhoria. Como se não bastasse a ideia de que grande parcela da sociedade busca uma salvação que não virá, alguns setores vivem da miséria alheia.

INCLUSÃO E DEMOCRACIA

Paulo Freire defendeu incansavelmente a ideia de que é impossível humanizar uma sociedade se ela não recebe educação para todos. A educação deve ser, inquestionavelmente, um processo inclusivo e democrático. Desta forma, deve permitir a todos os indivíduos desenvolverem plenamente suas potencialidades e serem agentes de transformação social.

Por isso, é preciso entender a sociedade como as pessoas e a educação que recebem, formal, na escola e cultural, desde o berço. Gerações anteriores, que proclamava que o futuro eram as crianças, são responsáveis por aquilo que a geração atual faz. Assim sendo, separar temas como a educação nas escolas ou educar para a paz exige muito mais do que educação formal.

As brigas políticas pela reforma do ensino arrastam-se há décadas e acreditamos que Darcy Ribeiro tinha razão. O boicote à educação é um plano de governantes e déspotas que não querem que a maioria da população a tenha.

A sociedade em vertigem é uma realidade !

EDUCAR PARA A PAZ

A ideia de Maria Montessori era de que educar para a paz(3) traria uma evolução para a sociedade. Entretanto, o que vemos nestes tempos recentes é a ausência da educação ou a educação para a guerra.

Por outro lado, Freire argumentava que a educação é um ato político e que, como tal, deve libertar indivíduos da opressão. Sua pedagogia defende uma educação que liberte, que conscientize os indivíduos sobre sua realidade e os capacite a agir para transformá-la. Sem essa educação para todos, continuamos a perpetuar desigualdades e injustiças.

No entanto, a proposta de uma educação humanista enfrenta grandes desafios, especialmente quando em oposição como certos métodos educacionais. Ainda que estes métodos tenham boas intenções, mostram-se ineficazes diante de um mundo de guerras e polarizações. O modelo de Montessori, por exemplo, que enfatiza a educação para a paz sofre restrições históricas.

O método, desde que execute-se com autonomia, liberdade com responsabilidade e respeito pelo desenvolvimento natural da criança, é viável. Sua proposta é formar indivíduos pacíficos e conscientes de seu papel na sociedade. No entanto, apesar de seus méritos, essa abordagem enfrenta muitos limites e barreiras, ante os desafios globais contemporâneos.

MUNDO MODERNO

A educação para a paz, proposta por Montessori, embora valiosa, enfrenta um mundo onde conflitos, tensões sociais e polarizações políticas. A abordagem de Montessori, não consegue alcançar as raízes estruturais das desigualdades e das injustiças que alimentam esses conflitos diários.

Atualmente, a sociedade exige uma educação que vá além da formação individual e aborde diretamente as causas sistêmicas dos conflitos. É necessário um sistema educacional que provoque debates sobre a justiça social, a igualdade e a solidariedade, como proposto por Freire. Uma educação que não apenas forme indivíduos pacíficos, mas que também os capacite a lutar contra as opressões e construir outra sociedade.

Portanto, a proposta de Montessori, de formação de indivíduos conscientes e pacíficos, precisa, sem dúvida, de complementos como Freire propôs. Em outras palavras, enfrentar diretamente as estruturas de poder e opressão que perpetuam a violência e a polarização é vital. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais humana e solidária, onde a educação para todos seja uma realidade.

EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS

Educadores de épocas diferentes e contextos diferentes, como, por exemplo, Paulo Freire e Jean Piaget geram conflitos inevitáveis. Contudo, estes conflitos tornam-se mais evidentes numa sociedade digital e com utilização massiva de tecnologia.

A tecnologia transformou drasticamente a dinâmica entre educadores e educandos. Paulo Freire, com sua pedagogia crítica, enfatizava a educação como prática de liberdade, do diálogo e da conscientização. Ele acreditava que a educação deveria ser um processo colaborativo, entre educador e o educando, e aprendizagem conjunta. O reconhecimento e valorização do conhecimento prévio dos estudantes é fundamental, o que se perdeu, completamente, com as redes sociais. Esse modelo deveria formar cidadãos críticos, com participação ativa na sociedade e promover a vivência da democracia e do respeito coletivo. Surpreendentemente, a maioria destes educandos tornou-se mero compartilhador de opinião de segunda mão.

Por outro lado, Jean Piaget, com sua teoria do desenvolvimento cognitivo, focava na forma como as crianças constroem conhecimento ativamente(4). Noutros tempos, através de estágios específicos de desenvolvimento, a educação nas escolas tinha uma velocidade própria. Para Piaget, a aprendizagem é um processo individual de descoberta e construção, onde o papel do educador é pavimentar um caminho. Contudo, a velocidade das pessoas e suas tecnologias deixaram para trás as experiências e desafios do modelo de Piaget.

As tecnologias introduzem, atualmente, um novo vetor nesse diálogo, oferecendo uma gama de ferramentas antagônicas. Essas ferramentas podem, por exemplo, tanto potencializar quanto desviar as proposições de Freire e Piaget. Plataformas digitais, redes sociais e dispositivos móveis criam um ambiente onde a informação está constantemente disponível. Entretanto, a interação entre humanos e o engajamento crítico na sociedade tornam-se superficiais e estéreis.

FREIRE x PIAGET

No contexto de Freire, a tecnologia passa longe de uma oportunidade e torna-se um grande desafio. Por um lado, as ferramentas digitais facilitam o acesso a informações e fomentam espaços de diálogo e troca de conhecimentos. Desta forma, alinham-se à ideia de educação como prática de liberdade. Por outro lado, essas ferramentas podem promover um consumo passivo de informações e reforçam a alienação educacional. Como se não bastasse, além de desviar o foco da construção coletiva do conhecimento e da consciência crítica, são excludentes.

De acordo com a ótica de Piaget, a tecnologia oferece experiências de aprendizagem para os diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo. Aplicativos educativos, jogos interativos e recursos multimídia podem ser eficazes na facilitação da aprendizagem individual. No entanto, a dependência excessiva de tecnologias limita a interação social e o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Adicionalmente, são uma barreira para a construção de uma sociedade democrática e respeitosa e alimentam a educação para a competição.

DESAFIO

O verdadeiro desafio é integrar as ideias de Freire, Montessori e Piaget de maneira que a educação não perca seu caráter humano e social. Em outras palavras, deve-se utilizar a tecnologia como uma ferramenta complementar, que enriqueça o processo educativo. Certamente, é vital não substituir a interação humana, essencial para a formação crítica e democrática dos educandos.

É necessário, ainda, promover um equilíbrio onde as inovações tecnológicas aliem-se à pedagogia crítica de Freire e à abordagem desenvolvimentista de Piaget. Complementarmente, a educação contemporânea deve formar cidadãos que pensem criticamente, se eduquem para a paz e respeito.

Portanto, a solução reside em uma pedagogia que seja simultaneamente crítica e construtivista. Educadores e educandos devem, com toda a certeza, utilizar a tecnologia de forma consciente e intencional para fortalecer a democracia.

Sem a educação a sociedade se transforma, é uma eterna mudança, para pior e vertiginosamente.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) "Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos" é uma publicação da Unesp (2000).

(1) "Entre Sem Bater - Paulo Freire - Sociedade em Vertigem" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/12/entre-sem-bater-paulo-freire-sociedade-em-vertigem/

(2) "Paulo Freire - O Último Texto - Folha de São Paulo" em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/5/11/cotidiano/6.html

(3) "Entre Sem Bater - Maria Montessori - Educar para a paz" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/13/entre-sem-bater-maria-montessori-educar-para-a-paz/

(4) "Entre Sem Bater - Piaget - Educação nas Escolas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/04/entre-sem-bater-piaget-educacao-nas-escolas/