Mamãe e o filme da Severa

 

Tendo lido e resenhado a famosa peça teatral "A Severa", de Julio Dantas (saiu ontem a resenha) lembrei de uma história que minha mãe contou de seu tempo num colégio de freiras em São Cristóvão.

Foi quando da exibição, num cinema do bairro, do filme português "A Severa", que contava a história da lendária fadista, que viveu seus últimos anos no bairro lisboeta da Mouraria (nome que significa bairro de mouros, referência à influência histórica dos muçulmanos na região), na primeira metade do século 19. A Severa faz parte do imaginário do povo luso, mas viveu antes da invenção do fonógrafo. Sabe-se que tinha voz de soprano, mas não existem registros.

A história da Severa é triste e agitada, ela morreu cedo, segundo a Wikipédia de tuberculose e apoplexia, naquele tempo era comum artistas e poetas viverem pouco por causa da vida boêmia e pouco regrada.

No colégio interno, as meninas só podiam ir ao cinema acompanhadas pela inspetora. E um belo dia foram assistir "A Severa", que estava passando num cinema do bairro.

Ora bem, a certa altura da projeção a inspetora começou a falar em voz alta, indignada, coisas mais ou menos assim:

- Quanta imoralidade! Isso é filme de português mesmo!

Detalhe: o cinema estava repleto de lusitanos que tinham comparecido para ver o filme da sua musa lendária.

Então a inspetora se retirou do local levando as meninas.

Quando eu perguntei a mamãe qual era a imoralidade da película, ela respondeu algo assim:

- Eu não sei, eu não estava entendendo nada!

Mamãe era, com certeza, naquela época, uma adolescente ingênua.

Ela ficou, portanto, sem ver o filme da Severa até o fim. E nunca mais teve outra oportunidade.

 

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