Flerte de mascarados

Caminhar pela praia era seu passatempo preferido. Além de contemplar o mar, tentar se exercitar para manter o corpo em forma, Cecília gostava de deixar o pensamento correr solto e observar as cenas comuns nesse ambiente descontraído: casais apaixonados, famílias tomando água de coco, homens jogando bola, adultos, adolescentes, idosos, todos tentando continuar a vida, como se a pandemia os movesse num sentimento de urgência.

 

E Cecília tudo via e as vezes corria. E a cena se repetia com rostos anônimos e diferentes, mas um dia ela percebeu que um personagem se repetia. Homem, cerca de 1m75, esbelto, caminhava lentamente com seu cão de cor preta. Ela já havia visto aquela cena no dia anterior. Desta vez, olhou o cão e fitou o homem. Seus olhares se cruzaram despretensiosos, ambos com máscaras porque em tempos de pandemia não poderia ser diferente. Um simples olhar e uma grande interrogação nos pensamentos de Cecília: seria casado? solteiro? 40 anos? hétero? Continuou a caminhada com essas interrogações.

 

No caminho de volta para casa, ficou a imaginar que aquele homem esbelto bem que poderia ser seu namorado... E sua mente fervia, a imaginação solta...No dia seguinte, Cecília já caminhava olhando para os lados, para trás, para frente. Onde estaria o homem esbelto com o cachorro preto? Não o encontrou. E pensou se já não seria o momento de falar, perguntar algo sobre sua vida...Não, assim pareceria invasiva... E imersa nesse pensamento ela caminhava, caminhava...

 

Mais um dia se passou, nova caminhada... E lá estava o homem com seu cão. Ela aumentou os passos, se aproximou e perguntou?

- Ele é mansinho? E o homem, respondeu: - É sim!

Cecília sorriu desconcertada e ficou tão impactada com a resposta que saiu em disparada, já satisfeita por ele ter respondido. No caminho de volta se recriminava por ter sido tão econômica nas palavras...Poderia ter perguntado mais sobre ele, seus gostos, sua vida...

 

Novo dia de caminhada, mais outro e ela não via mais o homem bonito passeando com seu cão.

Três dias depois, Cecília caminhava pela praia e lá estava o homem com o cão. Ela passou por ele, houve uma rápida troca de olhar, mas ele foi indiferente, parecia não a conhecer. Seria a máscara? Em tempos de pandemia, distanciamento e rostos cobertos, as pessoas não reconhecem mais as outras? Ou seriam os sentimentos que estavam escondidos pelo medo da exposição? Suas perguntas ficaram sem respostas e o que poderia se transformar num namoro, relacionamento sério e uma casinha na praia com um cão, não passou de um flerte de mascarados caminhando com a solidão!

Texto - Eliana Custódio

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