Entre Sem Bater - As Três Coisas

Paulo Leminski disse:

"... nesta vida pode-se aprender três coisas de uma criança: estar sempre alegre; nunca ficar inativo; chorar com força por tudo que se quer ..."(1)

Existem três coisas que dificultam crônicas do cotidiano como a que ilustra este texto: a) a ideia, b) o poeta, c) a crítica. Paulo Leminski é um poeta, que faz a crítica com muita qualidade, mas exige que as pessoas reflitam. Desse modo, nestes tempos em que uma geração inteira apresenta dificuldades extremas como o "CRTL-C + CRTL-V"(2) tudo fica mais difícil. Por isso, Paulo Leminski, ainda hoje, é um grande pensador, stricto sensu, que não tem a compreensão da maioria das pessoas.

TRÊS COISAS

A preguiça mental(3) que assola o país é muito pior do que o Febeapá(*), que Stanislaw Ponte Preta bem descreveu. Inquestionavelmente, quando refletimos sobre um pensamento como este de Leminski, colocaremos muito mais do que três coisas a se aprender. Entretanto, se perguntarmos às pessoas abaixo dos 35 anos ou da geração das dancinhas sobre o pensamento, responderão:

Paulo Leminski não era um pedreiro?

Ou, por outro lado, poderão pensar que ele é uma pedreira onde acontecem três coisas: shows, baladas, eventos de gente sem noção.

Infelizmente, perdemos completamente a capacidade de refletir e entender sobre "estar alegre", "inatividade" e "chorar". Ainda mais quando o pensamento contém licenças poéticas, o que não entra na capacidade de compreensão destas redes sociais. Existe uma variação ou paráfrase sobre outras três coisas, mais ou menos em alinhamento. Em outras palavras, "estar sempre alegre, nunca parar de perguntar e não ter medo de errar" são ensinamentos interessantes.

ALEGRIA

A princípio, a ideia de "estar sempre alegre", nos remete a o que isso significa, e suas implicações para o indivíduo num grupo social.

A alegria constante, do ponto de vista de Leminski, não deveria ser uma imposição de felicidade superficial ou uma negação das emoções negativas. Ao contrário, a proposta é de uma abordagem mais profunda e filosófica. Assim sendo, a alegria deve ser uma predisposição íntima e uma escolha consciente de otimismo e curiosidade.

Em crianças(4), a alegria é, sem dúvida, uma manifestação natural. Elas possuem uma capacidade inata de se maravilhar com o mundo ao seu redor. Encontram, surpreendentemente, uma felicidade nas pequenas coisas e mantendo um estado de espírito positivo, mesmo diante de frustrações. Essa capacidade de "estar sempre alegre" nas crianças não é a ausência de tristeza ou dor, mas sim uma resiliência emocional. Por isso, para todos, crianças ou adultos, deveria ser possível navegar pelas dificuldades sem perder a essência de sua alegria.

VIDA ADULTA

No entanto, ao transpor essa ideia para a vida adulta, surgem desafios significativos ou intransponíveis. A sociedade contemporânea, marcada por estresse, responsabilidades e pressões constantes, nos afasta desse estado de alegria contínua. O bombardeio de notícias negativas, a competitividade no ambiente de trabalho e as incertezas econômicas, por exemplo, minam nossa alegria.

Adotar a ideia de "estar sempre alegre" na vida adulta exige, portanto, um esforço consciente e uma reavaliação de prioridades. Significa cultivar a gratidão, apreciar as pequenas vitórias diárias e encontrar momentos de paz e contentamento mesmo nas rotinas mais árduas. É um convite para redescobrir a simplicidade e a beleza que muitas vezes deixamos de notar.

Porém, é crucial evitar uma interpretação simplista ou tóxica dessa ideia, e afastar a falsidade da alegria nas redes sociais. A positividade tóxica, que ignora ou minimiza as emoções negativas e os desafios reais é prejudicial. Desta forma, cria-se uma falsa sensação de felicidade e invalida-se experiências legítimas de sofrimento. A verdadeira alegria, de Leminski, deve coexistir com a capacidade de reconhecer e lidar com a tristeza e a dor. É uma alegria genuína, que surge da aceitação plena de todas as facetas da vida.

ATIVIDADE

Em primeiro lugar, "nunca ficar inativo", é uma lição particularmente relevante no contexto contemporâneo. As redes sociais, atualmente, moldam e determinam o comportamento das pessoas e muita atividade ou inatividade podem ser prejudiciais.

Leminski via na atividade constante das crianças uma sabedoria intrínseca. Para ele, a curiosidade insaciável e a disposição para explorar o mundo ao redor são qualidades que os adultos, frequentemente, perdem. Esta ideia de "nunca ficar inativo" é um chamamento à ação, mas consciente e não compartilhamentos insanos e sem propósito. Desse modo, temos um lembrete de que o movimento, tanto físico quanto mental, é essencial para o desenvolvimento humano.

No entanto, a aplicação desta filosofia nos dias atuais, sob domínio de estultos, coaches e influenciadores, apresenta nuances críticas. As plataformas digitais, como Instagram, Tik Tok e outras, incentivam uma espécie de atividade constante, superficial e até criminosa. A rolagem infinita e o consumo passivo de conteúdo criam a ilusão de atividade, enquanto, certamente, promovem a inatividade mental.

DESAFIO

Assim sendo, o desafio é distinguir entre atividade produtiva e atividade aparente, racionalidade e irracionalidade. Leminski sugere a busca de uma vida ativa de maneira genuína, engajando-se em atividades que realmente nos desenvolvam e enriqueçam. Isso significa, com toda a certeza, aprender algo novo, cultivar um hobby, ou investir em relações interpessoais que nos façam evoluir. No entanto, as redes sociais frequentemente distorcem essa busca, incentivando armadilhas de um comportamento superficial através fantasias.

Além disso, a constante necessidade de estar online pode levar ao burnout digital, onde a mente se cansa de tanto estímulo sem substância. Este tipo de inatividade mental é perigoso, pois enquanto o corpo pode parecer ativo, a mente está presa em um ciclo de respostas automáticas.

Neste cenário, em suma, é crucial entender o pensamento de Leminski de maneira crítica, consciente e em sincronia com a sociedade digital. "Nunca ficar inativo" não é como estar sempre em conexão ou com alguma ocupação, mas sim buscar atividades desafiadoras e que nos façam crescer. Devemos resgatar a essência da curiosidade infantil, e direcioná-la para experiências reais e enriquecedoras.

Isso inclui, sem dúvida, os momentos de desconexão digital intencional, onde nos permitimos explorar o mundo físico ao nosso redor. Interagir cara a cara com outras pessoas, o que é raro atualmente, e refletir profundamente sobre nossas próprias ideias e sentimentos. A verdadeira atividade, conforme Leminski sugere, é aquela que nos torna mais humanos e mais conscientes da nossa essência..

CHORO

Esse ato ("chorar com força"), é muito mais do que um simples derramamento de lágrimas. Simboliza, outrossim, uma expressão genuína e profunda das emoções, algo que, na sociedade digital, se torna cada vez mais raro e sem compreensão alheia.

Existe, claramente, uma tendência crescente de confundir e misturar significados de palavras e emoções. Chorar, que deveria ser um ato natural de liberação emocional, aparece, muitas vezes, como reclamações superficiais. As plataformas digitais dominam, através de sua ênfase na curadoria da vida perfeita e na busca incessante por validação, o pior dos mundos. Transformam, convenientemente, em todos os aspectos, o choro em algo condenável, quase como um sinal de fraqueza.

Ao invés de uma expressão legítima de dor, tristeza ou até mesmo alegria intensa, diminuem as pessoas reclamam sobre questões reais. Desse modo, mascaram suas verdadeiras emoções com queixas superficiais. Enquanto isso, aqueles que se atrevem a expressar suas dores mais profundas sofrem com a ridicularização e recriminações públicas.

Essa distorção cria um ambiente onde a vulnerabilidade sofre perseguições, desencorajando a expressão sincera das emoções.

SINCERICÍDIO

Como se não bastasse, demonstrar sinceridade, sendo choro ou reclamação, transformou-se em crime quase inafiançável.

Além disso, em um mundo onde a exposição pública é constante, a pressão para manter uma imagem de felicidade e sucesso é imensa. Aqueles que choram ou expressam suas emoções são aqueles com mais fraquezas e incapacidade, ante seus algozes. Em outras palavras, isso é especialmente evidente quando se trata de reivindicações de direitos, inclusive coletivos.

Quando as pessoas choram por justiça, igualdade ou melhores condições de vida, suas vozes depreciam-se para reclamações pueris. A confusão entre chorar e reclamar se torna uma ferramenta de opressão, deslegitimando as lutas e as dores de muitos.

Leminski nos remete à interpretação de que chorar é um ato de autenticidade e coragem. As crianças não têm medo de expressar suas emoções de maneira plena e sem censura. Elas choram com toda a intensidade de seu ser, sem se preocupar com a percepção dos outros. Essa aprendizagem perdeu-se numa sociedade que deveria, mas não valoriza a autenticidade. O grande desafio é aprender a respeitar as emoções dos outros, reconhecendo que o choro é uma expressão de nossa humanidade.

HAICAI

Leminski era um artista no haicai, só quem já tentou escrever sabe a dificuldade disso. Enfim, para ler e refletir sobre Leminski é necessário muito mais do que três coisas. Ler, reler e pensar, é o básico essencial (aliás, isso daria um haicai).

Em suma, na era das redes sociais, o imediatismo supera a capacidade de aprendermos com as crianças. Precisamos reavaliar nossa compreensão das emoções, entendendo e aceitando que a sabedoria das crianças é natural e autêntica. Encontrar a alegria constante, a capacidade de questionamento e a intensidade é fácil, basta não ser um autômato.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País) era uma simulação de notas jornalísticas criticando a repressão militar. Noticiava, por exemplo, a prisão de Sófocles (filósofo grego) pelo conteúdo subversivo de uma peça teatral. Atualmente, ganharia o Prêmio Pulitzer de fake news.

(1) "Entre Sem Bater - Paulo Leminski - As Três Coisas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/11/entre-sem-bater-paulo-leminski-tres-coisas/

(2) "A culpa não é da Geração Z - UOL" em https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2024/07/11/geracao-z-nao-sabe-usar-mouse-e-ctrl-c--ctrl-v-culpa-nao-e-dela-entenda.htm

(3) "Entre Sem Bater - Liz Hurley - Preguiça Mental" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/10/entre-sem-bater-liz-hurley-preguica-mental/

(4) "Entre Sem Bater - Maria Montessori - As Crianças" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/10/12/entre-sem-bater-maria-montessori-as-criancas/