UM LEÃO POR DIA

O leão já está esperando quando acordo. Manso, silencioso e calmo. Ele não sabe nem entende que em pouco tempo vai morrer nas minhas mãos, sem sofrimento garanto. Ninguém se preocupe porque é algo de que não prescindo fazer, infelizmente para o irracional ele precisa e deve morrer. Afinal de contas é ele ou eu, nesse caso como se vê prefiro que seja ele.

Mato um por dia, preciso deixar bem claro logo de antemão. Para tanto nem há necessidade de caçar ou comprar o bicho, de alguma forma misteriosa tem sempre um deles à espera no meu escritório. Deitado e tranquilo seja na escrivaninha, no pequeno sofá para uma pessoa ou mesmo esparramado no chão. Pronto para a dura arte de ser morto por mim, sem feriado e sem fim de semana, diariamente termino com a vida de um.

Várias vezes minha esposa reclama por eu ter imposto a minha rotina a obrigação de dedicar-me a esse esforço descomunal, sabemos a dificuldade que é matar um leão por dia. Requer autocontrole, paciência, descuidar do lazer, repetir a ação continuamente, lavar as inconveniências, até derramar lágrimas quando a tacada final se faz incoerente. Quem também se dá a esse trabalho cotidiano sabe de que falo e pode abonar essa afirmação, confirmando tudo.

O leão a ser morto hoje aguarda impassível, não dá a mínima às emoções em mim desencontradas, morrerá ao longo das horas embora seja muito mais forte que eu. Após o desjejum, beijo minha esposa, entro no escritório, sento na confortável cadeira rapidamente desocupada pelo ser que afasto bocejando e dou início ao morticinio. Tem sido assim desde priscas eras, matar um leão não é mais novidade para mim. Ah, esqueci de esclarecer que o leão que morre em minhas mãos não é a fera rei das selvas, usei a metáfora no sentido de redigir várias páginas do livro que estou escrevendo.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 10/07/2024
Código do texto: T8103900
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