REALIDADE EXPOSTA

Vou começar esta história de uma forma bucólica e também perigosa, estou me referindo ao tempo dos bondes, ainda como principal meio de transporte da zona sul carioca. Mesmo sem se dar conta, convivíamos com um transporte sustentável, sem produção do CO2.

Sua baixa velocidade de cruzeiro, seus espaços amplos e abertos praticamente te integravam as paisagens externas, entretanto, sempre corríamos o perigo de vir a ser atropelado por algum motorista apressado ou desatento, pois trilhos ficavam posicionados lado a lado no centro da rua.

Eu mesmo cheguei a desfrutar desse veículo no trajeto casa/escola/casa, em curto trajeto entre os bairros do Jardim Botânico e a Gávea, com ponto final do trajeto ali na Rua dos Oitis, esquina com a Praça Santos Dumont.

Com a retirada dos bondes, que produziam muito barulho no atrito das rodas com os trilhos aliado a falta de manutenção, fruto da política ora privatiza, ora estatiza a empresa. Como resposta a esse imbróglio, o Estado resolveu presentear os usuários com os trólebus, veículos elétricos silenciosos e confortáveis importados da Itália, e que o carioca apelidou de chifrudo, função da haste que recebia a energia da fiação, e desde de sempre sofria problemas nas curvas mais fechadas, obrigando o motorista a descer do veículo e reposicionar o chifre.

Não durou muito essa modernidade importada, e fomos gradativamente caindo nas mãos das concessionárias do serviço, até a saída em definitivo dos transportes da mão do Estado.

Juro que não conseguia entender a então prodigiosa oferta de linhas de ônibus circulares na zona sul da cidade, as linhas com centena inicial cinco viajavam normalmente com poucos passageiros, embora com constantes entradas e saídas de passageiros.

Enquanto usuário, lembro que para me deslocar do Jardim Botânico para o Humaitá podia utilizar seis linhas circulares, fora as duas com destino a zona norte e outras quatro direcionadas ao Centro. Portanto, o tempo de espera no ponto de ônibus nesse trajeto dificilmente superava um minuto.

Recordo bem, que ao ser apresentado no colégio à teoria dos conjuntos, ficava em devaneios, aplicando essa teoria aos trajetos das linhas de centena cinco, apontando onde havia superposições e onde aconteciam exclusões.

Como era fácil e rápido circular em coletivos nos anos 60 e 70 nas vias da zona sul, função da exagerada oferta de transporte público e a ainda incipiente frota de veículos particulares.

Mesmo na madrugada, nas tantas vezes que precisei voltar tarde para casa, uma linha salvadora circulava 24 horas, o tão aguardado na época 438 – Barão Drummond – Leblon, que mais tarde utilizei, quando trabalhava no horário noturno, na compensação bancária.

Mais tarde, agora como servidor municipal, tive o prazer de compor a equipe do urbanista Jaime Lerner, que propunha uma solução genial para o transporte público na zona sul da cidade, mas infelizmente não implantada.

Em resumo, se utilizaria a teoria do eixo troncal, ou seja, seriam extintas todas as linhas de ponta, como as que partiam de bairros isolados como Urca, Cosme Velho, Gávea, Horto, Vidigal etc. Para esses locais, pequenos veículos fariam a alimentação do eixo troncal, este sim com veículos articulados de maior capacidade que circulariam tanto via Copacabana, como via Jardim Botânico, o que suprimiria muitos coletivos de trajetos superpostos e traria uma organização maior na frequência. Vale lembrar, que a cidade não se encontrava tão verticalizada como se encontra hoje, e nem se tinha tantos veículos particulares que hoje causam engarrafamentos a qualquer hora do dia.

O tempo passou, e ao contrário do que se poderia supor, linhas foram arbitrariamente encerradas e das que sobraram, cortes na frota fazem pontos de ônibus aglomerarem uma multidão, que sem opção, aguarda o momento de se espremer em coletivos de uma frota que envelhece a olhos vistos.

Enquanto isso, o prefeito redirecionou sua atenção para corredores do projeto policromático, que claro, alguns são até essenciais, porém outros, se sobrepõem a corredores muitos mais eficazes para transporte de massa, como as estradas de ferro, ou mesmo o metrô.

Por fim, dentro do tema acredite se puder, esta cidade e sua região metropolitana convivem hoje com uma incoerência, que beira o absurdo: como pode a tarifa do transporte de massa ser muito superior à definida para ônibus?

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 10/07/2024
Código do texto: T8103875
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