O marcador do tempo
Quem nunca teve um objeto de estimação, daqueles que para onde nos mudamos, é a primeira coisa que embalamos para levarmos? ... Ele, sabe de tudo o que já aconteceu, e acontece aqui... está sempre atento, é curioso, intrometido, ao mesmo tempo parceiro, fiel companheiro, que há muito está comigo, quando a minha rotina se quebra, e saio sem hora para voltar, ele estranha, finge que aceita a minha ausência, mas como nada nessa vida, ele me chama, e chama, é hora de voltar. - Ele é tão antigo, já pertenceu ao meu avô, depois pelo meu pai foi cuidado, hoje está comigo, nem demonstra a sua idade... Ele fica de frente para o meu velho quadro, na sala de jantar, o seu olhar muitas vezes no quadro se distrai, daí ele me deixa um pouco de lado, e viaja por suas ruas para nós, estranhas, senta no banco da praça, embaixo da árvore que ao vento desenhado, derrama as suas verdes folhas, e ele se prende nas cores do óleo da velha gravura que retrata a cidade em tempo aparente de chuva... senta e esquece de marcar o tempo, descansa, depois caminha no asfalto molhado do quadro, e quando escorrega, disfarça a sua vergonha e some no tempo nublado, volta para o seu lugar de origem, na parede se recosta ofegante e continua contando as horas. Anoitece, retorno para casa, ele está ali, em seu tic tac tac, tic tac e louco para que eu chegue, para os meus passos, controlar, parece até ler os meus pensamentos, e assim vamos nós, num novo amanhecer, ele vem ainda mais louco, a me enlouquecer ao meu despertar, e grita sem dó! - Acorda vai à luta, você precisa trabalhar! Deixa esse vento correr pela casa, levando a sua tristeza, sai dessas teclas, deixa de escrever essas linhas, com os mesmos temas, isso me cansa, não vê? O tempo passou, você não é mais adolescente muito menos criança, agora... obedece! e no novo dia crê.
É vida real, beber os ventos da rua, assiste a festa dos pássaros por onde for passando, deixa esse quintal, entrega-se as coisas da vida e do tempo lá fora, escrever já não te sacia e nem a tua ânsia dá descanso, as curvas dos teus pensamentos em nada define o que de fato tu sentes, aprenda que quando a paixão perde a cor, lança ao teu mundo, um olhar diferente, sem melodia a mexer com os sentimentos, renuncia pois, e silencia, a tua alma não quer sofrer. Fecha as gavetas da memória, vive o novo, dá a si, uma nova chance, ainda há tempo, arquiva tristes lembranças, antes de voltar para cá, mostrando a tua casa, esse cansaço e olhar triste, caminha pelos parques, cala a tua angústia, vive o teu presente, deita a tua cabeça sem sombra de mágoas e descansa.
Assim é o marcador do tempo, ao qual nem damos importância, o nosso relógio interior fala mais alto e nada quer, foge às nossas expectativas, o corpo e a alma precisam de férias, onde o passatempo que ora impera, é alimentar a ilusão, sem fugir da realidade e assim manter acesa a esperança.