Entre Sem Bater - A Favela

Paulo Lins disse:

"... são dois mundos diferentes, que não têm contato um com o outro ..."(1)

Os textos da série "Entre Sem Bater" provocam, na maioria dos casos, reações diferentes, antagônicas e instigantes. Estes comportamentos variam de acordo com as características políticas(*) e comportamentais dos leitores e até dos canais onde recebem os textos. No caso de um autor de pensamento com ineditismo (do tema e autoria) as reações são curiosas e até surreais. Atualmente, as pessoas preferem atacar o mensageiro ou o autor do pensamento, ao invés de debater e refletir sobre o tema.

DOIS MUNDOS

Devemos, na realidade eu devo, tomar certos cuidados ao escrever alguns textos. É provável que até eu esteja arregimentando haters nestas plataformas afora. Alguns textos, pelos temas e palavras-chave (tags e hashtags) estão provocando a suspensão automática do meu perfil e de conteúdos. É, surpreendentemente, lamentável o que fazem com alguns, enquanto outros têm prerrogativas para ofender, mentir e caluniar.

Lamentável !

Indo ao antagonismo de dois mundos um lado do outro, numa divisão que chega a ser invisível, passemos ao pensamento de Paulo Lins.

A frase lapidar não merece nenhuma reflexão em nenhum canal de comunicação de massa.

"A elite desconhece a favela porque não quer ver, e a favela desconhece o resto do Brasil porque é privada dos meios e da oportunidade", (Paulo Lins)

Em síntese, esta é a forma incisiva de segregação e que demonstra o abismo social existente no Brasil. Esta segregação não é apenas econômica, mas também cultural e simbólica, refletindo uma sociedade profundamente desigual. São, inquestionavelmente, dois mundos que coexistem de forma paralela e excludente: o das elites e o das favelas.

A indiferença das elites em relação à realidade das favelas é uma escolha consciente. Esse desconhecimento não é uma mera consequência do acaso ou da falta de informação, mas sim uma estratégia de distanciamento e negação.

A FAVELA

Ao ignorar a existência das favelas e seus problemas, as elites mantêm intactos seus privilégios. Desse modo, evitam e escondem os questionamentos sobre as injustiças das estruturas que sustentam seu status quo. Essa atitude é profundamente hipócrita, cruel e diversionista. Enquanto pregam discursos de igualdade e justiça, na prática, perpetuam um sistema que marginaliza a maioria da população.

A favela, por sua vez, não acessa os meios e oportunidades que possibilitariam patamares mais justos e equitativos. A falta ou precariedade do acesso à educação de qualidade, saúde, transporte e infraestrutura restringe as possibilidades de ascensão social e econômica. Como se não bastasse, falácias como meritocracia e generalização de oportunidades enganam os incautos.

Podemos referenciar, por exemplo, o caso de artistas do rap que esbanjam dinheiro com ostentação, gerando mais dinheiro para guetos. Do mesmo modo, surgem influenciadores/as que utilizam de golpes para mostrar um sucesso parcial e limítrofe. Assim sendo, a mídia de massa divulga meia dúzia de "cases" de sucesso e não mostra os milhões de tentativas.

Meritocracia(2) de UC é rola ! (desculpem, mas a indignação com a farsa da meritocracia é gigantesca).

AS ELITES

A hipocrisia das oligarquias se revela com extrema nitidez quando analisamos o papel de seus serviçais na política e no judiciário. Os políticos, que elegem-se com o apoio e financiamento das elites, adotam políticas que favorecem seus patrocinadores. Desta forma, ignoram as demandas das comunidades marginais, desrespeitam os direitos da favela. As reformas políticas e econômicas frequentemente beneficiam uma minoria rica em detrimento da maioria pobre. E, com toda a certeza, perpetua-se o ciclo de desigualdade, da exclusão, da indiferença.

No judiciário, com a sua política e seus obsequiosos operadores do Direito, a situação não é diferente. A aplicação seletiva da lei é uma prática recorrente que favorece os poderosos e criminaliza, sempre, a favela. Casos de corrupção e crimes das elites recebem,  frequentemente, privilégios da leniência e tolerância. Por outro lado, crimes menores, notadamente de moradores de favelas, recebem punições rigorosas e desproporcionais. Essa disparidade no tratamento judicial não só reforça as barreiras sociais existentes, mas também mina a confiança da população no sistema judiciário.

RACISMO ESTRUTURAL

Outra frase de Paulo Lins merece um destaque e relacionamento com a ideia da segregação da favela e seu povo sofredor(3).

"O Brasil é um país racista e uma sociedade racista, mas o engraçado é que ninguém admite ser racista, e esse é o problema. Os negros no Brasil estão sempre em uma posição inferior, subalterna, mas você não consegue encontrar um branco que seja racista." (Paulo Lins)

A sociedade racista e preconceituosa encontra abrigo inclusive em negros, pardos, mestiços. Os negacionistas são os que mais abusam da hipocrisia, na esperança de alcançarem o sucesso efêmero. Vemos, por exemplo, um militar, que foi vice-presidente do país, virando as costas para seus eleitores, brancos e da favela. E, surpreendentemente, ignora de maneira vil que é um mestiço filho de uma que ronca e fuça.

A indiferença e a hipocrisia das oligarquias e seus asseclas, na política e no judiciário, não são apenas moralmente condenáveis. São, sem dúvida, prejudiciais para o desenvolvimento do país e da sociedade como um todo. Uma sociedade que não reconhece e enfrenta suas desigualdades vai conviver com a violência, a instabilidade e a injustiça. A construção de um Brasil mais justo e igualitário passa necessariamente pelo reconhecimento e valorização da favela e de seus habitantes.

Assim sendo, é vital a promoção de políticas públicas que assegurem direitos e oportunidades para todos, independentemente de sua origem social.

Portanto, a frase de Paulo Lins nos convoca a uma reflexão profunda sobre a necessidade de romper com essa dualidade perversa. Este isolamento da favela ante as elites não apenas limita a perspectiva de vida e problemas como a fome(4). Reforça, outrossim,  estereótipos e estigmas que a sociedade tem desses espaços e de seus habitantes.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) As crônicas que publico ficam à disposição em algumas redes sociais e numa distribuição direta em grupos e individualmente. O direcionamento tem vinculação com as características de cada rede ou destinatário. Eventualmente, muitos novos leitores surgem e é destes que as manifestações são mais consistentes e interessantes. Infelizmente, confirma-se que a opinião da maioria dos leitores antigos dificilmente merece a chance de modificação através da reflexão pós-leitura. Quando nos referimos às elites, excluímos as pseudoelites e os vassalos, #taoquei?

(1) "Entre Sem Bater - Paulo Lins - A Favela" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/09/entre-sem-bater-paulo-lins-a-favela-e-o-mundo/

(2) "A meritocracia é uma farsa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2019/07/31/meritocracia-e-uma-farsa/

(3) "Entre Sem Bater - Bezerra da Silva - Povo Sofredor" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/17/entre-sem-bater-bezerra-da-silva-povo-sofredor/

(4) "Entre Sem Bater - Carolina Maria de Jesus - A Fome" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/11/13/entre-sem-bater-carolina-maria-de-jesus-a-fome/