Pobre e Sem Classe
Era um fim de tarde abafado, em uma cidadezinha do interior, onde o bar do seu Joaquim era o ponto de encontro de muitos moradores. Entre os frequentadores assíduos, estava Zé, um trabalhador braçal que ganhava a vida como pedreiro.
Zé tinha opiniões fortes sobre política. Sempre que o assunto surgia, ele defendia com unhas e dentes os valores da direita, argumentando que o sucesso vinha do esforço individual e que o Estado não devia interferir na vida das pessoas. "Se cada um fizer a sua parte, o país vai pra frente", dizia ele, com a voz firme.
Do outro lado do balcão, João, um jovem estudante de ciências sociais, ouvia as argumentações de Zé com um misto de curiosidade e tristeza. João sabia que, apesar do discurso eloquente, Zé vivia uma realidade dura. Trabalhava de sol a sol, muitas vezes sem os direitos básicos assegurados, e mal conseguia pagar as contas no fim do mês.
Certa vez, durante uma dessas conversas acaloradas, João não pôde se conter e perguntou: "Zé, você já parou pra pensar se esses políticos que você defende realmente se importam com gente como nós?".
Zé, sem hesitar, respondeu: "João, não preciso que ninguém faça nada por mim. Eu me viro sozinho. Esses políticos falam em meritocracia, e é nisso que eu acredito".
João suspirou, tentando encontrar as palavras certas. "Eu entendo, Zé, mas a questão é que muitas vezes esses políticos que você apoia criam leis e políticas que beneficiam os mais ricos, enquanto a nossa classe continua sofrendo. Eles falam de meritocracia, mas a verdade é que a gente não parte do mesmo ponto de partida".
Zé ficou em silêncio por um momento, refletindo. Ele nunca havia pensado por esse ângulo. Sempre acreditara que, com trabalho duro, poderia melhorar de vida. Mas, nos últimos anos, apesar de todo o esforço, as coisas só pareciam ficar mais difíceis.
João continuou: "Olha, Zé, eu não estou dizendo que o trabalho duro não é importante. Claro que é. Mas a gente também precisa de políticas que garantam nossos direitos, que nos dêem um mínimo de segurança. Não dá pra lutar sozinho contra um sistema que favorece sempre os mesmos".
Zé, pela primeira vez, começou a enxergar além do próprio orgulho. Percebeu que talvez, só talvez, estivesse defendendo interesses que não eram os seus. Que aqueles políticos de terno e gravata, que pregavam o discurso da meritocracia, não conheciam a realidade de quem acordava às cinco da manhã para pegar no batente.
O bar do seu Joaquim ficou em silêncio por um tempo. As palavras de João ecoavam na mente de Zé, que pela primeira vez em muito tempo, questionou suas próprias crenças. E ali, naquele fim de tarde abafado, talvez, começasse a nascer uma nova compreensão sobre a verdadeira luta de classes.