OLHANDO O MOVIMENTO
OLHANDO O MOVIMENTO
Desde o dia trinta de abril- quando operei o primeiro olho-, até primeiro de julho quando, já operado do segundo olho, me foi proibido o uso do Notebook, do Celular e a leitura de livros.
Nesse período me detive a cumprir, rigorosamente, o ritual de colocar, nos dois olhos, um colírio de oito em oito horas e outro de duas em duas horas.
Para passar minhas manhãs e minhas tardes, mais rápido, eu dediquei-me a sentar na minha cadeira de balanço que está na área envidraçada, que a Ana mandou fazer no espaço que dá acesso a porta principal da nossa da casa, e olhar o movimento da minha rua.
A olhar o céu e, quando sem nuvens e me encantar com o azul do infinito.
A olhar as arvores e plantas da frente da minha casa e das casas de meus vizinhos e deparar-me com um verde diferente, com tonalidades fortes que, há muito tempo, eu não tinha mais a capacidade de ver.
Ficava também e, principalmente. olhando as pessoas.
Algumas com pequenas carroças de tração humana passavam, na rua, examinando cada caixa de lixo e dali retirando garrafas de refrigerantes, garrafas de vidro e latas de cerveja vazias.
Constatava, também, que outras pessoas remexiam nas caixas de lixo a procura de algum resto de comida que tivesse sido descartado em sacos ou sacolas plásticas e, portanto, depois de reaquecidos ou não, serviriam para alimentar seus estômagos famintos.
Vi, também, todos os dias, carroças contendo cargas pesadíssimas, e na boleia duas ou três pessoas.
Uma delas açoitava, com um relho, o cavalo magro que puxava a carroça, quando este demonstrava falta de forças e falta de energia para continuar, mas, abaixo de laço, continuava.
Tenho certeza de que quando não puder mais puxar carroça, este cavalo, será solto na rua e morrerá de fome e os Urubus farão um banquete com seus músculos imprestáveis e com suas carnes magras e os seus ossos serão comidos pelos cachorros de rua.
Via, diariamente, os Missionários de alguma Religião que, em grupos de homens e de mulheres, batiam palmas nos portões das casas na esperança de que a porta fosse aberta e surgisse alguma pessoa para a qual pudessem falar das palavras da Bíblia e, assim, cumprirem suas missões, diárias, de evangelizar.
As portas não eram abertas e eles seguiam pela rua batendo palmas na frente de outra casa...
Nesse período muitas crianças e adultos chegaram ao meu portão pedindo um trocado, para os mais variados fins ou alguma porção de comida que eu pudesse lhes dar.
Na medida do possível atendi, a todos, com o coração partido por ver que no meu pequeno Distrito Capão Novo tem tantos homens, mulheres e crianças em estado de necessidade- falta de trabalho, de salário, de roupas, de medicamentos, de comida- e se dedicam a mendicância como forma de obter o que lhes falta.
E foram assim os meus dias de cuidados para que obtivesse sucesso na minha cirurgia de Catarata e pudesse voltar a fazer os meus escritos e ler meus livros o que me dá tanta alegria e que alivia as minhas dores e a minha solidão.
Paradoxalmente à minha alegria de ver a cores das folhas das árvores e das plantas de minha rua, a beleza sem adjetivos de um céu azul sem nuvens com o sol, fui tomado-durante este tempo- de profunda tristeza, de singular angustia, por testemunhar, diariamente, miséria em que vivem as pessoas que buscam, na rua algum material para vender, alguma esmola para comprar alguma coisa ou, nos lixos das frentes das casas, restos de comida para matar a fome...
(Recanto da Ana e do Erner- Capão Novo, 8 de julho de 2024)