DOSTOIÉVSKY X TOLSTÓI – QUATRO
“Com tantas máscaras sociais, quem pode dizer que têm caráter?”
E por falar em caráter, isso era uma virtude que meu pai não cultivou muito durante a sua vida, quem não têm pecado que abra a primeira janela.
1976 tinha tudo para ser o melhor ano da vida da minha mãe, mas, nem tudo sai do jeito que planejamos. Não é verdade?
Ela tinha finalmente conseguido seu primeiro e único emprego de carteira assinada, cobradora de frescão (frescão era o apelido dos ônibus com ar condicionado no Rio de Janeiro), estava apaixonada e já morava com meu pai na Rua Bela em São Cristóvão perto da Feira dos Paraíbas.
Depois de um desmaio ela descobriu que estava gravida, mamãe dizia que só desmaiava quando estava esperando um menino, era tiro e queda, olha aqui eu escrevendo a história.
Com cinco meses de gravidez ela foi mandada embora do serviço, a notícia da gravidez não agradou muito meu pai, parece que ele já sabia que a pessoa que iria vir ao mundo não valia muito a pena.
Era um domingo, a rua sempre ficava calma e silenciosa nos domingos, minha mãe recebeu o dinheiro do acerto de contas, e estava decidida a fazer um aborto. Meu pai não estava em casa naquele dia, devia estar fazendo alguma das suas “caçadas”, uma buzina tocou lá fora, era um amigo do meu pai num Opala novinho e bem acompanhado de duas mulheres.
Ele pediu dinheiro emprestado para ela.
Ela emprestou tudo que tinha.
Ele não pagou até hoje.
Em 2006 quando minha mãe amanheceu morta no dia do seu aniversário de 48 anos, depois de uma luta de 11 meses contra o câncer, eu fechei os olhos dela, todos acharam que ela morreu dormindo, penso que ela acordou, olhou para mim, não tinha mais forças para nada e morreu.
Quando meu pai morreu eu não chorei.
E não sei se vou chorar pela morte dele.
Um dia talvez, quem sabe...
Melhor cena de Crime e Castigo é o sonho de Raskolnikov.
Em A Morte de Ivan Ilitch a melhor cena é o tombo do Ivan.