AOS HOMENS DA LEI DOS HOMENS


Senhores Homens da Lei dos Homens,

Polícia, Justiça, Processo, Audiência, Agente Conciliador, Juiz, Julgamento, Recurso são palavras com as quais não estou familiarizada. Algumas delas me levam ao dicionário. É mais ou menos como se eu começasse a lhes falar sobre balanço de pagamentos, bolsas de futuros, índice bovespa, conjuntura econômica, ceteris paribus, spread, projeções, indicadores econômicos.
Sentimentos, amor, emoções, tristeza, alegria, dor, moral, imoral são manifestações que expresso nos textos que publico em meu site. Respeito, amizade, equilíbrio, interação, reconhecimento é a troca que faço diariamente com as plantas e animais que me rodeiam e que estudo para sobre eles escrever.
No dia 05 de janeiro de 2008, sábado, por volta do meio-dia, véspera do aniversário de um ano da morte do papai, apareceram em minha residência dois agentes da 2ª DP, convidando-me para ir, às 16 h., prestar esclarecimentos sobre umas acusações relatadas pela minha vizinha da casa 30, Alda Maria, no dia 12 de dezembro de 2007.
Achei estranho. Fiquei novamente entristecida, nervosa, chorei e pedi a Deus que me iluminasse sobre o que deveria fazer, pois a minha filha estava em viagem e a minha irmã (advogada) também. Então liguei para o Dr. Selvio, meu amigo, que me orientou para que reunisse todas as provas da agressão sofrida naquele dia para levarmos até a Delegacia.
Juntei então os cacos da louça partida, fotografias da horta destruída, blusa rasgada, vasos quebrados e lá fomos nós esclarecer as coisas.
O Dr. Sélvio e o agente conversaram de forma técnica e pediram que eu contasse o que havia acontecido naquele dia 12 de dezembro. Contei a seguinte verdade:
Estávamos eu, minha filha e meus netos almoçando na parte dos fundos da casa, quando alguém comentou: “Parece que estão tocando o interfone lá na frente”. Riza, nossa empregada, foi atender. Ouvimos gritos e o barulho dos portões da frente sendo sacudidos violentamente.
Meu neto se levantou e saiu correndo em direção ao local. Na mesma velocidade voltou gritando: “Vovó, corre! Corre lá que a vizinha está quebrando toda a horta. Levantamo-nos todos ao mesmo tempo. Fui à frente e, ao abrir o portão, deparei-me com o Sr. Marcelo (esposo da agressora) de braços cruzados em frente à sua casa, assistindo à cena de destruição da horta (com um galho de árvore) e de arrancar e rasgar as reportagens do mural com as mãos, aos gritos de: “não vai sobrar nada, vou acabar com tudo, que ódio!” Ódio de quê?
Corri e me interpus entre ela e o que ainda estava de pé para evitar a continuação da tragédia. Então ela me empurrou, levando-me ao movimento de abaixar e, então, puxou-me pela blusa, rasgando-a, sem soltá-la, demonstrando querer deixar-me semi-nua, diante dos olhares dos vizinhos que sempre manifestaram respeito e admiração pelo trabalho social que desenvolvo na Biblioteca Comunitária (ao lado) e na Horta Comunitária (em frente).
A horta comunitária é uma iniciativa surgida com a morte de meu pai, que, aos 91 anos, limpou o terreno e a idealizou. Como homenagem póstuma a ele, ganhou força e adeptos rapidamente e, em setembro de 2007, quando completaria 92 anos, a Horta era objeto de grandes reportagens acompanhadas de fotos em quatro jornais (Correio Brasiliense, Aqui DF, Esquina (CEUB) e Diário de Catalão); em 28 de setembro, foi ao ar, no Jornal 1ª edição da TV Brasília, uma longa e elogiosa reportagem sobre o trabalho. Em 12 de dezembro de 2007, nosso cadastro já contava com cerca de setenta “Amigos da Horta”, a liberação do espaço em frente as casas 04 e 12 para expansão e a adesão dos seus moradores, tendo tido um aumento de área da ordem de 200%. Foi decorada para o Natal e já contava com cerca de 50 espécies de ervas medicinais e temperos exóticos, 12 espécies de verduras orgânicas, centenas de mudas prontas e a participação espontânea do trabalho voluntário de várias pessoas. Dezenas de visitantes circulavam e continuam circulando todos os dias na horta, admirando e elogiando-a. Tudo é organizado com a cooperação de moradores da invasão do CEUB, servidores do SLU, de um zootecnista (Rafa), uma professora e servidora da Anvisa (Clarisse), uma decoradora (Odete), uma horticultora (Leni), administradores de ONG’s, poetas, médicos, farmacêuticos, estudantes, crianças, pássaros, borboletas, lagartixas e eu (poetisa/horticultora). Fui escolhida pelos demais para ser guardiã dos bens e administradora da horta, além de ser sua principal mantedora de matéria-prima, materiais e água. Meu trabalho e o dos amigos da Horta (pessoas de 5 a 90 anos), realizado durante meses, foi parcialmente destruído em menos de 2 minutos (creio!) e ameaçado de ser extinto. Ao ver aquela agressão inexplicavelmente violenta e, sem quaisquer motivações plausíveis, minha vista escureceu, senti que ia desmaiar, meu corpo tremeu da cabeça aos pés, meu processo digestivo se interrompeu, meu mundo despencou instantaneamente. Era um sacrilégio, uma injustiça, uma loucura, uma violência sem limites à memória dos meus pais, que sempre foram exemplos de respeito à natureza, aos meus princípios e valores, aos amigos e simpatizantes da horta, à minha história e proposta para a velhice, à cada uma daquelas plantinha tenras e a cada animalzinho que vinha pousar ali naquele pequeno espaço. Morri um pouco. Nunca, em tempo algum, pude imaginar que pudesse ser colocada dentro de uma situação dessas, ainda mais agora que só se fala em preservar e salvar o planeta. Tive a impressão que o tempo e o espaço desapareceram entre mim, o paraíso e o inferno. Parecia que o planeta era outro, que o dia se transformara repentinamente em noite tempestuosa, que a terra se abrira sob meus pés e que eu mergulhava sem obstáculos. Não sei direito quanto tempo se passou, quantos gritos e pessoas se acercaram do local, quantos gestos, palavras e movimentos foram necessários para transportar-me de novo à realidade, para abrandar a minha decepção, o meu desespero.
Lembro-me do Waldo, o nosso diarista, da D. Auxiliadora de Alexânia (oitenta anos) e seu neto, da Riza – todos desolados – silenciosamente recolhendo o que sobrou. Senti no peito a dor de cada plantinha morta e abracei-os aos prantos. Embora massacrada, ainda reuni forças para ajudá-los a salvar o que fosse possível. Depois veio a enxaqueca e o vômito durante três noites e dois dias, com muitas idas e vindas à janela, inconformada.

Não, não fui à Delegacia. Era para ter ido? Sim, agressão moral, agressão física, crime ecológico, agressão ao patrimônio de terceiros, disseram todos. Não! Tenho que trabalhar. Ela deve ter se arrependido. Não vai mais fazer isto, disse eu.

Se eu fosse à Delegacia, iria reviver o sofrimento, iria reabrir a chaga. Era melhor deixar que o tempo fosse apagando as imagens. Mas Alda Maria não quis que isto acontecesse. Ela foi. Prestou queixa de agressão verbal, mentiu sobre quase tudo. Pretende que eu morra. Por que será?
Quando reformamos a casa, em 2005, ela sempre esteve presente em minha rotina e ao telefone a qualquer hora do dia e de noite; Também dentro da nossa obra, opinando, reclamando do barulho dos trabalhadores, questionando o projeto original. Não me importei com isso por duas razões: primeiro porque queríamos terminar logo a obra e eu não dispunha de tempo para analisar seus incômodos argumentos; depois porque, por força de serem as casas geminadas, fizemos todos os reparos decorrentes de rachaduras e vazamentos que ela determinou, assim como aconteceu com a outra casa vizinha. Procurei dispensar a ambas o máximo da atenção e de apresentar constantes pedidos de desculpas pelos transtornos causados que, segundo o engenheiro, eram inevitáveis. A vizinha da casa 12, que tem a mesma idade da Alda Maria, compreendeu e tornou-se uma grande amiga e aliada de todas as horas, juntamente com sua família (esposo, filhos, mãe e irmãos). Sempre me convidam para seus eventos sociais e são carinhosos e prestativos. Já a Alda Maria, tão logo terminou a nossa obra, resolveu declarar-me guerra por todos os movimentos, gestos e palavras, que supõe serem direcionadas a sua pessoa ou a sua casa ou a sua família. Há muito, perdi a liberdade de conversar a vontade no interior da minha casa, de ouvir música, de abrir e fechar o portão, de cuidar das plantas e dos animais. Tudo é motivo para que ela, e agora também seu esposo, gritem, esbravejem, xinguem, exijam, imponham, a qualquer momento, diante dos meus familiares, amigos e visitantes. Privaram-nos da liberdade de ver a rua, da possibilidade de abrir os portões de pedestre em segurança, da ventilação e iluminação lateral pela frente e pelos fundos da casa, instalando muros e chapas entre a nossa e a sua residência e entre esta e a residência contígua à sua. Acusaram-nos de estar impedindo que saiam perfeitas as imagens de suas TVs e de não poder receber bem suas ligações telefônicas, por causa da reforma; de possuirmos cão de guarda, de transitarmos pela sua calçada ou pelo gramado em frente. O que é isso? Mania de perseguição?
Não, não fui à Delegacia. Era para ter ido? Sim, para se resguardar, disseram alguns. Não, não é necessário, isto passa - disseram outros.
Complementarmente, desde quando eu morava em outra quadra (1991-2005), tive conhecimento que, por várias vezes as crianças (meus netos) acordaram assustados no meio da noite com os gritos e a “quebradeira” no interior da casa de Alda Maria.
Era para ter chamado a Polícia? Não chamamos. As crianças já estavam assustadas o suficiente.
Vizinhos contam que ela se indispôs com a moradora da casa à sua direita e com a proprietária da Escola Mauricio Libato (aos fundos) , além de sequer cumprimentar os moradores da Quadra há mais de dez anos.
Mesmo ciente desses fatos, ao me mudar para minha casa já reformada, tentei estabelecer com ela uma relação de amizade idêntica a da outra vizinha. No entanto, em uma pequena diferença de opiniões, já em 2006, Alda Maria fez a seguinte ameaça/comentário:”Não gosto da senhora, dona Selma. Ainda bem que a senhora não vai viver muito, não é?”.
Não, não fui à Delegacia. Era para ter ido? Sim, caracteriza ameaça de morte, disseram alguns. Não, disseram outros. Deixa para lá!
A boa vontade em manter uma relação cordial se rompeu, desde esse momento. Esta é, em resumo, a minha história com a moça Alda Maria.
Já sou considerada idosa e me orgulho de ter chegado até aqui com muita saúde e vontade de viver. Minha boa reputação me respalda. Não tenho motivos para inventar fatos ou palavras. Só faço isto quando estou escrevendo minhas poesias, mas não confundo realidade com fantasia. Lamento que, tão moça ainda, Alda Maria esteja supondo que se constituem realidade suas próprias criações contra pessoas e fatos. Gostaria muito que ela estivesse participando da nossa idéia ecológica, que entendesse que fezes de animal e adubo são a mesma coisa; que qualquer alimento ingerido por nós é adubado; que aprendesse a plantar, colher, alimentar os pássaros, acariciar os cães; que envolvesse seu esposo e seu filho com a proposta de preservação ambiental e de respeito à natureza, ao invés de plantar no coração deles o veneno do ódio, do rancor e da ira.
Se alguma vez a ofendi pela minha energia e coragem, aparência, postura diferenciada, foi involuntariamente. Ao interpor-me entre ela e o patrimônio ecológico da comunidade, agi em legítima defesa (pessoal, à memória do meu pai, aos amigos da horta, às plantas e aos animais). Humildemente, peço perdão por tê-la impedido de descarregar toda a sua ira sobre a natureza. Convido-a para modificar a forma como administra sua existência e o futuro do seu filho de apenas cinco anos que, com certeza, está assistindo a um filme impróprio para sua idade e inadequado à sua sobrevivência.
Quanto a mim, senhores das leis, não sei. Aguardo a vossa decisão. Dependo dela para viver ou morrer. A fatalidade fará Alda Maria comemorar, mas só trará dor à natureza, onde suas leis se sobrepõem aos homens com ou sem lei.

Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 09/01/2008
Reeditado em 09/01/2008
Código do texto: T809978
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