Alianza Brasil-Portugal

Alianza Brasil-Portugal

Fizemos mais uma viagem internacional, ou seria um passeio em terras distantes para conhecermos nossos coirmãos, os portugueses.

Normalmente, escrevo uma crônica sobre o local, o casario, a cultura, tipos de construção, igrejas, monumentos, castelos e tudo o que acontece à nossa volta. Desta vez, usarei palavras que ouvi do guia turístico do passeio, um lusitano muito peculiar. São expressões que, muitas vezes, diferem radicalmente daquelas empregadas no Brasil.

O guia era chacrilongo, chato, cricri e pernilongo. O nome era Miguel e tinha mais cinco “apelidos”: Neves, Lima, Gama, Viegas, Dantas. O defeito que mais se destacou: repetia constantemente as frases, enchendo o saco de quem as ouvia.

Pessimista, só falava que iria chover. Mesmo quando caíam uns pingos no final da tarde, considerava um dia chuvoso.

Mesmo uma garoa, ele dizia que chovera torrencialmente. Todos teriam que levar os “gabardines” para se protegerem e não ficarem “constipados”.

Aquele que esquecesse a capa de chuva no hotel poderia comprar um “chapéu de chuva” que era baratinho e quebraria um galho.

Vivia o tempo todo falando sarcasticamente, com ar “galhofeiro”, sobre o ouro que usurparam de nós durante o reinado no Brasil. Citava muito a palavra morte como se previsse algo de ruim que pudesse acontecer conosco. Ele não sabe que nosso santo é forte e que é difícil nos derrubar.

Fizemos passeios panorâmicos e notamos que alguns bairros eram nobres, mas a zona que mais se destacava era a de construções antigas, azulejadas e quase sempre geminadas.

O chefe da excursão, com ar de superioridade, insistia em dizer que Portugal acabara com os “bairros de lata”. Elevava o governo que construíra casas populares muito boas.

Aconselhava a não parar para atender as ciganas. Enquanto elas liam a sina, amigos dela, os “carteiristas” nos roubariam.

Tudo era planejado entre eles e eram rápidos o suficiente para que não percebêssemos sendo “larapiados”. Outra maneira de não terem incômodos com os gatunos, era as mulheres levarem suas “malas” na frente do corpo, onde as poderiam controlar mesmo apreciando paisagens e pontos turísticos.

O que mais me chamou a atenção no esnobe comandante é que ele não tinha “carta de condução”, alegando que o melhor transporte era o táxi, que o levava onde queria e rapidamente. Tudo isso sem contar que a figura tinha quarenta e cinco anos e nunca dirigira um automóvel.

Nos “sítios” em que circulamos de “autocarro”, principalmente pela orla marítima, encontramos vários homens “frescos” fazendo “manutenção”.

Levantávamos cedo para fugir do tráfego intenso, pois pais e mães levavam os “putos” ao colégio de manhã. Chegávamos no “autocarro” às “sete e um quarto”. Ai daquele que se atrasasse. Era ovacionado e criticado pelo chefe da turma. O jantar acontecia às 20 horas. Os esfomeados, como eu, chegavam às “oito menos vintes”.

Eu e minha irmã tínhamos pressa somente para comer. Na caminhada pelas ruas lisboetas, portuenses, sintrenses, fatimenses, obidenses, nazarenses, coimbrenses, aveirense e gaienses, andávamos a “passo de caracol”. Éramos os primeiros a sair e últimos a chegar.

Sempre atento em tudo o que o mestre falava, consegui guardar que as praias eram de vários tipos: com pedras em seu contorno, de surfistas, de nudismo, com combros, praias fluviais, de “manutenção” e turística. Éramos obrigados por ele a olhar o “pavilhão” e, se esse permitia a prática do banho sem perigo.

Pela segunda vez, na minha vida andei de “eléctrico”. A primeira foi na Suíça e a segunda foi nesse passeio, na baixa Lisboa.

Só não andei de “tuc-tuc” porque achei meio infantil. Pode ser que um dia mude de ideia.

No último dia em Portugal aconteceu algo que me marcou profundamente. E também minha irmã. E sei que marcará meus três primos. Participamos de um Cruzeiro pelas seis pontes sobre o rio Douro (Luís I, Maria Pia, São João, Arrábida, Freixo e Infante). Após o almoço, conversávamos a bordo do barco e dois casais que nunca sentaram à nossa mesa, falavam num tom de voz que éramos obrigados a prestar atenção, principalmente quando ouvimos a mulher (Leda) falar o nome Alianza. Ela disse que tinha três filhos: Alianza, Andreza e o nome do rapaz esquecemos porque o que mais nos interessava era o primeiro nome. Pedimos licença e a interpelamos:

- Como ela escolheu esse nome para a filha?

- Conheci uma senhora, em São Paulo, e gostei dela e dei seu nome à minha primeira filha.

Contamos que tínhamos uma tia, de empréstimo, que é como se fosse nossa tia de sangue de tanto que gostávamos dela, que tinha o mesmo nome.

Ela contou que era de Imbituba e que aos dezesseis anos fora com seu pai e o motorista da Companhia Docas de Imbituba nos escritórios e residência do senhor Álvaro Catão, em São Paulo.

Interrompemos e falamos que o tal motorista, se fosse o Chico, era nosso tio.

Ela confirmou que era o mesmo e que ele os convidara para irem à casa de seu irmão. Disse que lá conheceram Dona Alianza.

Afirmou que ela era uma mulher boa, simpática, trabalhadeira, piedosa, calma, delicada, bela, doce, inesquecível, um anjo de mulher. E reforçou que, ao se despedir, garantira que, se um dia casasse e tivesse uma filha, colocaria o nome de Alianza.

Enquanto conversávamos, a Leda chorava copiosamente e confessou que a emoção era por ter encontrado alguém da família de Alianza, da qual tinha boas recordações.

Eu me lembrei que minha mãe, quando estava para deixar este mundo, tinha próximo a si, eu, minha afilhada Morgana e a tia Alianza. Ouvíamos o que se passava no quarto e um dos médicos pedia adrenalina para reavivá-la, dava choques elétricos e não conseguiu devolver-lhe a vida. Praticamente ouvimos seus últimos suspiros.

Como não sou de ferro, engoli as lágrimas e depois chorei escondido ao lembrar de ambas.

Aroldo Arão de Medeiros

06/11/2015

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 03/07/2024
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