O SUSTO DOS 70
Dedico a todos os amigos que passaram dos 60, especialmente à minha sobrinha, Jane.
Aperte o cinto que vem textão. Se não gosta de ler, fique à vontade e o recuse.
É um dedo de prosa, imprescindível para hoje, afinal, todo domingo pede cachimbo.
Minha sobrinha, companheira de vida desde que nascemos, numa conversa muito franca, disse -me que está muito assustada com o nosso número, que se aproxima.
Sim, o número 70!
Disse -me ela que não consegue pensar nesse número sem se impressionar.
Sim, o único que pude dizer a ela foi isso: IMPRESSIONANTE!
Diversas vezes meu pensamento voltou à nossa conversa. E eu não saio da palavra IMPRESSIONANTE!
Então, voo para um poema de Cecília Meireles:
"Onde a face de prata e cristal puro,
e aquela deslumbrante exatidão que revela o mais breve aceno obscuro
E o compasso das lágrimas,
E a seta que de repente galga os céus do olhar
E em margens sobre-humanas se projeta?
Onde as auroras?Onde, os labirintos,
_ e o ..."
Penso ainda em outro poema de Cecília:
" Hoje que seja esta ou aquela, pouco me importa
Quero apenas parecer bela,
[...]
Já fui loura, já fui morena,
Já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal faz esta cor fingida..."
Então, querida sobrinha,
Fomos e somos companheiras
De vida e assombros.
Vemos, porém, que não somos apenas nós as assombradas.
Volto ao Espelho da Grande Cecília:
"Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
_ Em que espelho ficou retida a minha face?"
Não é simples encararmos o tempo nos fechando portas, mas ao mesmo tempo, Jane, eu me lembro de quantas portas abrimos... também janelas...e respiramos e dançamos...e construímos.
Repito, agora mais consciente do nosso tempo, as palavras bíblicas:
"Combati o bom combate...
Guardei a fé."
"Agora nos está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, nos dará naquele dia..."
Timóteo 4:7-8
Sim, 70 é um número assustador, mas o sete é muito significativo e cabalístico, portanto, esqueçamos os espelhos, sobrinha, e vivamos como se não houvesse amanhã.
É o justo e o melhor.
Dalva Molina Mansano
30.06.24