Palavras acompanhadas, as lutas pequenas, e as emas ouvintes.

Converso com o livreiro, ele me fala sobre Kawabata, um nobel de literatura japonês que, segundo ele, cometeu suicídio por harakiri. O açúcar. O açúcar se derrama em grãos como uma enorme cascata granulada e repousa sob a espuma branca do meu café. Tenho que voltar a ser um cronista das coisas, eu acho, não de mim. Das letrinhas, das "palavras que andam acompanhadas", de Duvivier

"[...] Palavras, percebemos, são pessoas. [...] Algumas palavras são casadas. A palavra caudaloso, por exemplo, tem união estável com a palavra rio - você dificilmente verá caudaloso andando por aí acompanhada de outra pessoa. O mesmo vale para frondosa, que está sempre com a árvore. [...] Nada é ledo a não ser o engano, assim como nada é crasso a não ser o erro. [...]"

Mas nem todo mundo, por exemplo, consegue enxergar o mundo entre uma-coisa-e-outra

Alguns dos políticos, ou os militantes por exemplo, querem os problemas de ordem geral, as brigas boas de lutar. O PIB, a constituição, a luta de classes, essas coisas que são o "Muhammad Ali Vs Sonny Liston" das lutas, mas poucos querem brigar com a poeira cotidiana das coisas, com o chão, com o nada.

Pouquíssimas pessoas querem se sujar na lama dos outros, escutar as conversas (para fins de pesquisa, claro), remontar os casos de família a lá Nelson Rodrigues, entender de rabo de ouvido, que a tal prima "saiu com aquele menino lá e agora tá todo mundo falando", mas você, o ouvido intrometido, nunca mais saber como essa história termina.

Os escritores, eu acho, não se importam em fazer o trabalho sujo, lutar as lutas menores. São bichos que ouvem, mas escutam sempre desviantes, procurando na giganteza da montanha, a coisa desvalida, o bastidor, a parte que é aura.

Hoje, por exemplo, é dia em que se fez o Real, lá com o FHC, o Itamar, aquela coisa toda. Mas que histórias já não devem ter ouvido nos bastidores as paredes? Ou então as emas que tanto ficam zanzando lá em Brasília?

Kawabata, o livreiro continua me contando, escreveu um livro nos anos 50, um livro sobre um senhor muito velho, já em vias de morte. Sabendo estar perto do fim, ele decide ir até um prostíbulo "Mas não pra consumar o ato. Não. Ele pagava e pedia para vê-las dormindo, queria olhar o nada."

Eu achei engraçado o livreiro ter enfatizado esse detalhe, não sei se entendi direito o que significa, mas acho que é como as palavras acompanhadas de que comentei antes, basta uma delas, basta um hífen para que se emende uma no meio da outra, ou até um rosto adormecido pra se observar. Assim, um escritor nunca estará só, será sempre inteiro.