MORRER E ESTAR MORTO (da curiosidade da vida alheia, do infortúnio de ser intrometido, da alegria do entendimento sobre viver e estar vivo). Da Série mais uma crônica para Renato Russo.

Estava num Centro Espírita e escrevi o nome de Renato Russo no Caderno de Vibrações para desencarnados. Isso faz tempo, talvez dez anos, não me lembro bem. Uma pessoa perguntou se o conhecia, respondi que sim. Ela perguntou onde havia conhecido, se foi num show, respondi que foi todo dia. Ela deu um risinho de canto de boca, esses risinhos próprios dos maledicentes macabros, mas deixei passar.

Que falta de pudor, fiquei pensando um pouco. Porque essa mulher estava na fila, atrás de mim, observando os nomes que escrevia no Caderno de desencarnados, encarnados etc. Sabe-se lá se estava interessada em mais alguma coisa. Talvez quisesse ler meu pensamento? Era encarnada, porque falou com quase todos no lugar.

Então pensei, é mesmo uma pessoa encarnada, tem mesmo esse mal costume. Fiquei mais tranquila. Porque poderia ser que fosse uma desencarnada que continuava maledicente. Porque a gente passa um tempo a ter os mesmos defeitos no pós morte física.

Tranquila vírgula né? Porque continua a ser bem feio o que ela fez. E mais feio ainda por se tratar de alguém que nunca havia me visto nem gorda, nem magra, nem nada. Aquela pergunta atrás de mim, o sopro no meu ouvido, tive que me manter equilibrada.

Em seguida fui para a Palestra anterior aos Passes, e à minha Tarefa, o Orador então abre seu laptop e dispõe o tema para todos: Morrer e estar morto. Foi tão interessante aquela Palestra, um estudo muito interessante, aprofundado e coerente com os ensinamentos que estava lendo sobre tudo isso que é desencarnar.

Também estava lendo Schopenhauer no seu mais conhecido livro As Dores do Mundo: O amor - A morte - A arte - A moral - A religião - A política - O homem e a sociedade. Estava escrevendo minha Monografia em Literatura, para graduação em Letras, meu objeto de pesquisa foi Carlos Drummond em seu livro de despedida: Farewell.

As discussões para a produção dessa minha monografia aconteciam com Lourival e Jorge Clinio, ou seja, material para outra monografia. Ricas discussões e ampliação do meu entendimento de Ser no Mundo. E do Não Ser no Mundo.

Também escrevia, concomitantemente, um TCC para Literatura Espanhola, para cravar meu encerramento no Curso e graduar-me na Disciplina. Meu mestre nessa empreitada foi Peter. Outras discussões mais acaloradas ainda. Em verdade, apenas ele me esclarecia, do verbo aclarar ideias e fomentar outras discussões. Ficava calada a ouvir a grandiosidade intelectual daquele também escritor, Peter Turton.

E de repente essa Palestra, surpreendentemente maravilhosa, sobre outra persona que me acompanha as ideias desde que conheci. A mulher deve ter ficado incomodada porque disse que conhecia Renato Russo. Se ela soubesse que digo que conheço todos os artistas e escritores dos quais realmente carrego como escritores, juntamente comigo, das minhas percepções da vida, acho que ia me dizer que sou uma Maria vai com as outras. Só que não.

Essa mulher não deve ter lido sobre a Polifonia da vida, nem deve conhecer Foucault ou Bakhtin ou Michel Pêcheux, ou Odilon Pinto de Mesquita Filho. Essa mulher não deve conhecer Airton Ortiz, verdadeiro dono da máxima: "Somos o resultado dos livros que lemos, das viagens que fazemos e das pessoas que amamos.”

O que quero contar é que na Palestra, houve um momento em que o orador até discorreu do sentimento de alegria e serenidade que um artista sente, quando rezamos, quando vibramos uma prece um pensamento de paz para ele(a). Nesse momento fiquei tão alegre em ter ido àquela Palestra, porque também eu, mesmo acreditando, desconfiava um pouco se meu recado de Luz chegava até o meu irmão de tantas “buscas interiores”.

Na adolescência, numa cidade onde até hoje não existe muito o que fazer quando somos adolescentes, nem quando não somos mais. Renato Russo, era meu irmão mais velho. Intelectual e sarcástico, forte, mas fragilizado pelas escolhas do suporte para as suas batalhas interiores.

Suas armas eram muito fortes: a leitura e escrita de Poesia, de Literatura da boa, a composição, a música. Mas não deram conta de protegê-lo dos embustes do Mundo. Porque intimamente, ele também lutava. Dessa vez, desarmado. Porque era intenso em sua busca por ser amado. Essas lutas que a maioria enfrenta, mas quase ninguém sabe, ou quase ninguém entende.

Daqui do meu ponto de vista, ninguém quer entender. É mais fácil prender, matar e cancelar. Hoje até nem há mais julgamento. Deu problema? Cancela. Deu problema? Joga fora. Deu problema? Xoda-se.

Renato Russo era uma Literatura inteira cantando para uma multidão de pessoas solitárias ou não. Conheço um professor que até hoje me diz que conseguia ser alegre com um disco do Legião Urbana e dez garrafas de café de sexta até Domingo. Disse-lhe que também eu me sentia assim. Também fiz isso depois que me graduei, atuando como professora de Literatura e Língua Portuguesa, dando meus pulos como professora de Artes. Isso desde os Estágios em 2011, até então.

Então sim. Conheço muito bem Renato Russo. E ontem escrevi seu nome no Caderno de Irradiação do Centro Espírita Léon Denis em Luanda/Angola, onde moro com meu esposo.

Essa mulher lê e curte o que escrevo, então essa mulher vai ler essa narrativa. Uma pessoa que anda por aí metralhando os artistas que sabem que existiu e que existe um “mundo inventado” pelos homens, para dar cabo das mentes que tentam fazer as pessoas pensarem DE FATO.

Depois escrevo sobre o sonho de ontem, com meu irmão mais velho, Renato Russo. É um sonho grande de cumprido, cheio de mensagens subliminares, começando pela pergunta e pela assertiva: “Sol, você já se desapegou quanto? De zero a dez? Onde estou é que é realidade, Sol. Fica tranquila, estou bem. Continue a me enviar Luz, não apague a sua. Muito obrigada e te amo.” Depois desapareceu pela janela da sala.

Solineide Maria

Luanda, 30 de Junho de 2024.

Solineide Maria
Enviado por Solineide Maria em 30/06/2024
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