Em terra de cego

Esta história é conhecida. Cinco macacos são colocados numa jaula: no centro, uma escada e, sobre esta, um cacho de bananas. A cada vez que um macaco sobe a escada para apanhar as bananas, cientistas lançam um jato de água fria nos que estão no chão. Após algum tempo, quando um macaco vai subir a escada, os outros atacam-no. Tempos depois, nenhum macaco tenta subir a escada. Então, um dos cinco macacos é substituído. Quando o novato sobe a escada, os outros espancam-no. Surras depois, o novo integrante não mais sobe a escada. Um segundo é substituído, e a reação se repete, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, da surra ao novato. O terceiro, o quarto e o último integrante são gradativamente substituídos, com igual reação dos demais. Agora são cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado banho frio, espancam quem tenta chegar às bananas. Se perguntássemos a um deles por que eles agem assim, a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui…"

Assim somos nós, seres humanos. De tanto escutar, acabamos por acreditar em opiniões alheias e conceber paradigmas, modelos de funcionamento das coisas. Sem pensar, incorporamos pré-julgamentos, rótulos e pré-conceitos. Paradigmas impõem limitações, impedem a criatividade e rechaçam mudanças que fujam ao conhecido. Somos naturalmente avessos a alterações do status quo: nossos limites pessoais não estão em condições físicas, intelectuais, ou ambientais, mas nos paradigmas que criamos para eles.

Ditados populares traduzem a resistência. “Em terra de cego, quem tem um olho é rei” é uma apologia à mediocridade, pois aceita uma pequena diferença em relação ao outro como declarada hegemonia. Será verdade? E o que aconteceria com quem tivesse os dois olhos? Seriam vistos como ameaças e rechaçados apesar da incontestável habilidade extra? Cegos se habituam à situação do não-ver e compensam a deficiência com hiperdesenvolvimento dos outros sentidos: tato, olfato, audição... Para mim, em terra de cego, alguém com um olho seria diferente, caolho, nunca rei. O ciclope poderia disfarçar com óculos ou arrancar o próprio olho para igualar aos demais... Ou se resignaria em ser um ser deslocado, patinho feio, ser em extinção... Enfim, em terra de cego, quem tem um olho vê cada coisa!!!

Em terra de olho, quem tem um cego... ops, ERREI! O desafio é desaprender o aprendido e desenvolver a sabedoria de olhar adiante, ver além. Mudanças sempre vão ocorrer, quer estejamos preparados para elas ou não – o mundo é um sistema dinâmico. Um bom exercício de auto-desenvolvimento é a ruptura de paradigmas, abandono de julgamentos, desqualificação de rótulos, na redescoberta contínua do mundo.

Exercendo a criatividade, testamos novas abordagens. Em terra de cego, quem tem cinema é doido; quem tem piano é Ray; oftalmologista morre de fome, cachorro é guia e degrau é tragédia...

E o pior SEGO é aquele que não quer ver.

setembro/2007

Para o bomhomem que, apesar de não ser cego, apreciou especialmente esta crônica quando da primeira publicação

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 09/01/2008
Reeditado em 10/01/2008
Código do texto: T809653
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