As quadrilhas de tempos atrás
A dança é tão primitiva como o contentamento humano, fora esses movimentos ritualísticos, religiosos ou de preparação à guerra, dançamos quando nos alegramos, difícil observar alguém dançar, motivado pela tristeza; talvez, em alguns casos, para confortar as coisas do espírito ou para eles se manifestarem. Dança sempre houve, desde os desenhos rupestres, como também, bem posterior, Pieter Bruegel (1566), retratando um baile, numa comunidade rural, durante comemoração de núpcias. Nesse sentido, as danças iam da corte às concentrações rurais que tratavam da lavoura. O moralismo religioso tentou proibir o “pecado” do erotismo... Mas perdeu, perda que recrudesceu com o surgimento das danças artísticas, com movimentos padronizados, a partir do Renascentismo, do que resultou o balé, contudo profano e um pouco romântico e sensual...
Nossa quadrilha junina, nessa extensa história, originou-se, com cheiro de milho e calor de fogueira. Nesse último São João, numa conversa de roda, ao se observar a quadrilha, animada e marcada por Deborah e o sanfoneiro, indagou-se o porquê de tantas palavras francesas, abrasileiradas, naquele recinto de tanta matutice. Na verdade, reconheça-se que, em qualquer arraiá de pé serra, onde houver quadrilha, na sua originalidade, lá estará esse palavreado, imitando a língua francesa.
A resposta está intrínseca na marcação: o que é francês vem da França. Onde, um grupo de homens e mulheres, ou de cavalheiros e damas, numa dança de confronto, original da “contredance” inglesa, dividido em duas alas, aproximando-se e distanciando-se repetidamente, precisou da marcação En avant, tous ou “para frente, todos”; que a matutada transformou em “alavantú”; e quando é para o mesmo lugar ou para trás: en arrière, que passou à corruptela de “anarriê”. Para dançar o casal, rodando, ouvia-se balancer , que, por aqui, ficou “balancê”. E para se confirmar a influência francesa, trazida pelos portugueses, enfim, a quadrilha é original da França, com o nome de quadrille. As características que vêm de então...
A quadrilha não saiu do assunto, e haja conversa sobre a espantosa modificação que vêm sofrendo muitas quadrilhas, ao desfilarem ao público durante o São João. Há uma desencadeada mudança nos trajes juninos. Ela chegou por aqui vestida pelas mãos da aristocracia colonizadora. Mas, quando se tornou popular, a quadrilha se estabeleceu como acontecimento interiorano, enquadrou-se no campo, costurando roupas com chita para as saias e madapolão ou mescla para as calças. Atualmente, o abuso inovador, descaracterizando, faz mudar a roupa da quadrilha, mais parece as vestimentas e enfeites das escolas de samba, do desfile carnavalesco, com até porta-bandeira. Havia também um divertido “casamento às pressas”, uma sátira: o pai da moça obrigando o moço a casar, diante do padre e do delegado. A inovação é o profano virar sagrado: o casamento ser de verdade, com alianças, grinalda, com o juiz da vara e testemunhas. Foi o que vimos no maior São João do Mundo.
Compreende-se que a cultura é dinâmica, adapta-se à transformação humana, tal qual a roupa conforme crescemos em idade. Porém, a cultura tem teor de costume e nisso está a sua força para se preservar. Pois, a manutenção da tradição cultural assegura nossos valores e sobretudo faz recordar o comportamento dos nossos ancestrais, sejam eles de tempos recentes ou remotos, como a cultura fosse a subsistência daquilo que temos aprendido...