Os direitos de um autor – pequena consideração
Desde janeiro de 2024, a obra completa de Graciliano Ramos está em domínio público. Segundo a legislação, são contados 70 anos a partir de 1° de janeiro do ano subsequente à morte do autor e, findo o período, os herdeiros – detentores dos direitos – perdem as recompensas pecuniárias advindas do acervo de um escritor.
Leio aqui, nestas ondas da internet, que o neto de Graciliano, o também escritor Ricardo Ramos, considera a lei absurda. Segundo ele, não poderia haver, por parte de editoras, exploração dos direitos em detrimento das famílias dos artistas da palavra. O escritor não discorda, entretanto, da disponibilidade do acervo em sites como o Domínio Público, que disponibiliza as obras no ambiente virtual.
Tendo a concordar com o escritor e acrescento alguns aspectos. Pela legislação, qualquer pessoa pode idealizar um empreendimento editorial e replicar obras de domínio público – algo bastante razoável, se pensarmos em trabalhos antigos, de séculos atrás, os quais estariam, nesse sentido, em efetivo domínio público, já se perdendo conexões com possíveis herdeiros dos direitos intelectuais. Parece-me que o prazo de 70 anos é por demais exíguo, pois os familiares próximos dos artistas ainda estão vivos e não me parece injusto que tenham expectativas de recompensas.
Por outro lado, entretanto, vejo o caso da obra de Graciliano sob outro prisma, pelo menos parcialmente. Certamente, o autor terá vendido milhões e milhões de exemplares no Brasil e mundo afora e talvez seja mesmo o momento de sua literatura ficar acessível a mais leitores. Sem ironias, seria um prêmio para o autor, que pertenceu ao Partido Comunista!
Mas certamente há autores pobres, que não foram descobertos em seu tempo e cujas obras poderiam alavancar uma condição melhor para seus descendentes. Há de se pensar sob esse prisma, também. E entre os consagrados? Machado de Assis, que, como se sabe, não deixou rebentos, era negro, e, em nosso contexto social, não causaria espécie se, um pouco mais de um século da morte do gênio de Dom Casmurro, sua descendência vivesse em dificuldade, enquanto editoras comerciam sua imortalidade.
Talvez, caso haja no futuro uma modificação na lei, fosse necessário estabelecer um percentual que os editores de obras em domínio público devessem repassar a entidades culturais públicas, como as bibliotecas, por exemplo. Seria uma forma de sacramentar a função social da arte e socializar as ideias, os pensamentos, que, bem lá no fundo, têm muito de construção coletiva.
De uma coisa estou plenamente certo: sempre será difícil conseguir de editores e autores – em plena posse dos direitos – permissões para uso de segmentos de obras, sem uma forma de contrapartida. Geralmente, pelo que observo, provocados nessas situações, os responsáveis por direitos respondem com o mais obsequioso silêncio. Certamente o escritor Ricardo Ramos deva conhecer muito bem a situação...