PÉ-RAPADO
Francisco de Paula Melo Aguiar
Faz tempo que acabou a cultura do pé-rapado.
O que é pé-rapado?
À luz do Dicionário Oxford Languages é o “indivíduo de humilde condição social, pobre, pobretão”.
No Brasil a expressão pé-rapado, segundo o Dicionário Online de Português, é “aquele que pertence a uma classe social mais baixa, sujeito pobre; pobretão”.
Quando ainda não se tinha automóveis os ricos tinham cavalos e cabriolés para serem conduzidos e seus escravos nada disso tinham, ao contrário eles eram que em muitos casos transportavam o senhorio com suas próprias forças conduzindo o cabriolé no lombo e ou guiando o cavalo e com os pé descalços, dai a necessidade de se ter que raspar os pés antes de entrar nas casas ou igrejas e outros recintos frequentados ou habitados pela elite.
Era por isso que do lado de fora da porta de entrada das casas ricas, capelas e repartições tinham afixado o raspador de pé, algo parecido com uma foice de ferro, onde os pobres e humildes rapavam os pés para puder entrar em tais ambientes, antes tinham que tirar o sujo dos pés descalços ou nus.
No século XVII, o poeta Gregório de Matos, escreve versos a uma mulher baiana respondendo ao pedido de ajuda de um cruzado para consertar os sapatos dela, ex-vi: “Se tens o cruzado, Anica; Manda tirar os sapatos; E não lembra-te o tempo; Que andaste de pé rapado”.
Por outro lado, em 1710, durante a Guerra dos Mascates, que ocorreu em Pernambuco e que envolveu os fazendeiros de Olinda e os comerciantes de Recife pelo domínio da Capitania, a expressão pé-rapado ganha outro significado, uma vez que se refere a forma depreciativa como se trajava e se tratava as tropas da aristocracia rural em combate contra o exército português, descalços, que por outro lado a cavalaria ostentavam botas combinando com o uniforme ou farda padronizada.
Ressaltamos de que o pesquisador regionalista Luis da Câmara Cascudo, em sua obra “Locuções Tradicionais do Brasil”, ele menciona que pé-rapado quer dizer “descalço, de pés nus, pé no chão”, justamente para designar a origem humilde da população.
Hoje a realidade cultural é outra, todo mundo tem um sapato ou algo parecido para não andar descalço se protegendo assim das intempéries da terra.
Isto ocorre em todas as classes sociais na atualidade, salvo algumas comunidades nativas.
Portanto, os sapatos que a sociedade do século XXI deve descalçar, porque estão sujos e bem assim, nada tem haver com “o pé-rapado” do século XVII que tem outro sentido, por exemplos de sapatos: os culpados são os outros; o sucesso nada tem haver com trabalho; preconceito de que quem critica algo é sempre o inimigo; se mudar as palavras mudam a realidade; ter vergonha em ser pobre e portanto, resolve viver de aparências; ser passivo diante da injustiça; ser moderno é viver imitando os outros.
Estes são os sete sapatos sujos por ora lembrados, ainda tem mais...
Qual o teu sapato sujo?
É tempo de descalçá-lo.