Além da música
Quando o ambiente externo em sua casa apresentava-se colérico, Alberto, no seu senso de meditação, aprumava-se num quarto escuro, ouvindo o que categorizam como música ritualística. Ele não seguia nenhum dogma ou crença religiosa, mas o registro que eu, Roberto, tenho sobre ele, denoto um claro apreço transcendental. Quando nos encontrávamos, percebi o fascínio que Alberto demonstrava pela música. Havia sobre suas olheiras escuras uma fascinação pelas fitas cassetes que comprava em seu bairro. Seu ânimo por me falar delas era como se a sua idade retornasse ao período infantil: naquelas tardes de café amargo que tomávamos, Alberto, que por natureza é introvertido, explanava toda e qualquer filosofia sobre as músicas por horas. Contava que a música aproximava o homem da “liturgia do céu”; a calma era divina, o sossego dos acordes reunia numa energia sutil a introspecção do homem com algo além. A música profana, isto é, a música agitada, provoca a irascibilidade da alma, dando um desejo de ação, às vezes destrutivo. Era o que dizia enquanto caminhava com a bituca de cigarro na boca. Eu achava um barato isso.
Sempre fui do Rock, gosto de algo mais agitado, que rompa com as estruturas. As coisas rotineiras causam-me uma torrente de monotonia. Tentei converter Alberto ao Rock, mas ele não se conectava com o gênero. Porém, o contrário foi possível. Num dia frio nessas tardes de domingos comuns, estávamos em sua casa matando o tempo. Decidimos colocar um álbum de música ambiente oriental em sua vitrola. Alberto tinha alguns vinis colecionáveis. Foi nesse instante que finalmente compreendi a sua filosofia musical: depois de uns vinte minutos naquele deleite estético, comecei a entrar em outro estado de consciência. Grudei os meus olhos sobre o movimento do disco, seu compasso naquele torvelinho parecia hipnotizar-me. Sem dúvidas meditei de pé ouvindo aquela belezura. Seu quarto organizado laranja nesse dia ganhou um tom de branquitude total. O quadro na parede era uma paisagem idílica, provavelmente uma pintura da era romântica. Olhei ele com uma paz além dos olhos. Parecia ganhar forma, senti as folhas das plantações tomar-me o corpo num frescor solene. A textura linda do Sol, contornava a contemplação do quarto laranja. Diria que a textura solar tornou-se o quarto não tão grande de Alberto. Nesse dia, obtive uma clarividência dos céus.
Eu não era acostumado com músicas assim, mas depois desse dia, comecei a frequentar a loja de fitas cassetes para perscrutar tudo o que havia de bom lá. Alberto tem razão: as músicas mais tranquilas aquietam a alma. Elas preencheram-me um sentimento de gratidão perante a vida. Diferente dele, adotei a crença religiosa com o passar do tempo. Mas vale ressaltar que o Rock estava e está correndo em minhas veias. Sou da opinião que nenhum elemento da natureza pode ser ignorado. O sentimento de cólera é essencial e faz parte da minha natureza, percebi enquanto saboreava um álbum Punk que me ferve ao mundo real.