Vara Criminal

     Na parede da quadra de vôlei o mistério: apareceu um enorme membro masculino, pintado em negro sobre fundo branco. Bem destacado, chamou logo a atenção dos curadores da moral pública. O talentoso pintor, menino de suas 10 primaveras, não escondeu de ninguém a autoria.

      A ousadia e qualidade, diga-se de passagem, do desenho, pintura ou grafitti, o que seja, chamou a atenção dos circunstantes e alguns comentários não se fizeram esconder. Alguém disse que o menino podia candidatar-se a uma escola de artes - era um Picasso em incubaçao - e fazer vestibular no qual passaria sem maiores problemas.

     Já outros o acusavam de plagiador de pinturas rupestres da Serra da Capivara, no Piauí.  De qualquer maneira, nosso jovem artista teve de apagar e renegar sua primeira experiência em artes plásticas.

     Lembrei-me no mesmo instante de uma pichação que apareceu no Fórum de Pitangui, pelos idos de 1970 e tantos. Era um outro membro masculino, de considerável dimensão, sobre a parede amarela do vetusto edifício, logo abaixo de uma das janelas do Cartório do Crime.

     A inscrição, em caligrafia estilizada, era direta e intertextual: vara criminal, em taluda ortografia.A notícia correu pela cidade, várias hipóteses sobre o autor e o motivo foram aventadas, mas nenhum consenso. Falou-se em inquérito - só podia ser coisa de comunistas - seria necessário chamar o DOPS etc. etc.

     Depois de algum tempo, esqueceu-se o incidente. Dos dois eventos, fica a lição: o tempo passa, mudam os costumes. Os dois artistas, ambos meus conhecidos, de acordo com a época, teriam prêmios, medalhas ou seriam atirados à fogueira ou aos leões.

     O tempora, o mores, como já diziam os latinos sobre a relatividade dos costumes e dos juízos de valor.