Cada audiência, um aprendizado
Era um dia normal de audiência, cheguei cedo no fórum, conferi a pauta do dia e fiquei aguardando.
Até que chegou a hora da minha audiência.
Entramos, cumprimentamos a todos e começou.
Era um caso bem simples. Uma senhora alegava que não reconheceu um empréstimo feito em seu nome.
E sim, eu estava representando o Banco. É bem comum ver o preconceito contra o advogado que defende um Banco. O próprio juiz lembrava de mim de outros processos em que representei outros Bancos.
As instituições financeiras são realmente mal vistas pela sociedade. Vivendo de altos juros que cobram por seus empréstimos, não são queridas em lugar nenhum. É raro ouvir qualquer pessoa falando bem de um Banco. Por outro lado, é muito comum alguém dizendo que foi "roubado", por um Banco. Deixando os termos jurídicos de lado, a crença que as instituições Bancárias são desonestas, é muito presente na nossa sociedade.
Pois nesse caso, para a surpresa de muitos, não era o Banco que estava sendo desonesto.
Eu já sabia, mas como tem um protocolo a seguir durante uma audiência, esperei que a advogada da senhora fizesse todas as perguntas durante o depoimento pessoal.
Ela quase me enganou, dizendo que ganhava pouco, e que "de repente", percebeu descontos em seu benefícios de aposentadoria. Infelizmente a idade avançada não é sinônimo de honestidade.
Até o Magistrado estava inclinado a acreditar nela.
Chegou a minha vez de fazer as perguntas.
Comecei perguntando se a senhora tinha conta em banco. E ela respondeu que sim.
Perguntei quantas contas ela tinha. Ela respondeu com firmeza que só tinha uma conta e por muitos anos.
Perguntei se mais alguém conhecia a senha do cartão dela. Ela disse que não.
Perguntei se ela sabia mexer em celular ou se costumava pedir ajuda pra alguém. Ela se gabou de ser uma idosa "moderna", que tinha whatsapp, Instagram, Facebook e tudo mais. Não tinha dificuldade nenhuma com o celular.
Cheguei na pergunta crucial. Foi a senhora mesmo que contratou o empréstimo?
Ela respondeu que não.
Perguntei se ela usou o dinheiro. Ela disse que sim porque "apareceu" na conta dela.
Então pedi ao Magistrado que mostrasse a parte do processo, onde tinha a foto dela com a identidade na mão e também mais uma foto selfie, no ato da contratação do empréstimo.
Perguntei se era ela na foto.
Ela disse que sim, que eu estava vendo.
Um silêncio tomou conta da sala de audiência. Por mais acostumado que fossem, ninguém conseguiu esconder a expressão de repulsa por saber que a senhora estava mentindo em todos os pedidos no processo.
Eu poderia perguntar mais, só que já era o suficiente. Ficou claro que a senhora havia mentido sobre a contratação durante todo o processo.
O que me deixou mais surpreso foi a reação da advogada dela, que realmente parecia não saber a verdade. Isso ficou nítido na expressão da advogada, nervosa e visivelmente constrangida.
A surpresa do Magistrado é normal, são muitos processos e muitas vezes o juiz não teve mesmo acesso aos autos, tomando conhecimento dos fatos somente em audiência.
Ainda não saiu a sentença, mas é bem simples de se presumir como vai ser.
O advogado tem que ter muito cuidado no trabalho, muito cuidado com o cliente. Tem clientes que procuram advogado pra tentar dar um golpe em alguém ou em alguma empresa, e é preciso estar alerta. E não confiar totalmente no cliente. Portanto é preciso fazer uma análise com base nas provas e não somente na palavra do cliente.
Existem pessoas que vivem acreditando que a justiça é como uma loteria, que premia a esperteza desonesta.
Existem sim erros, mas o que se deve buscar em um processo sempre tem que ser a Justiça. Dar a cada um, o que é de direito, nada mais e nada a menos.