Obrigado Rio de Janeiro

A partir dos setenta, quando o avançar das horas faz com que o baile da vida apresente aquela atmosfera de madrugadas, anunciando o cansaço dos músicos e que a próxima dança pode ser a última, acredito que todos são tomados por grandes impulsos de gratidão.

Gratidão á esposa, filhos, netos, genros, noras, pais, avôs, irmãos, tias, primos, professores, mestres, amigos, amores, autores... Gratidão à terra natal e às outras terras em que residimos e, até aquelas que nos encantaram, em encontros efêmeros, mas intensos.

Rio de Janeiro, foi a terra que mais vivi: parte da primeira infância, início de minha vida adulta, grande parte, inclusive o fim, de minha vida profissional e o início de minha vida de amador, como letrista e compositor. Somam-se uns trinta anos.

Já estava mais do que na hora, de registrar formalmente, gratidão ao Rio.

Gratidão pelo viver de parte da infância, em um de teus subúrbios, onde a brincadeira correu solta nas ruas, na ferrovia e no rio que passava ao lado da casa, onde meus pais tinham vida com imensas restrições, num quarto sublocado, da casa alugada pelo sargento, sua insuportável esposa e os três filhos. Pelo primeiro time e pela segunda amiguinha e as brincadeiras de casinha com fogão, panelinhas, gravetos, folhas, areia...

Obrigado Rio: pela primeira briga com outro moleque de rua; pela primeira e única reprovação, por ter me ensinado a jogar bola de gude (peteca na minha terra) duma forma chamada “com a unha” e que fez sucesso, ao retornar à terra natal.

Grato, por teres aberto às portas de tua universidade federal, por minha formação acadêmica, pelo meu primeiro emprego e por minha primeira decepção como profissional.

Obrigado pelos primeiros salários, que me proporcionaram ter contato com a beleza, as emoções, o conhecimento proporcionado por teus teatros, cinemas, museus, por tantos salões de dança, em especial o do Hotel Glória e o da Estudantina. Obrigado por tuas praias e suas “terezas” (“Tereza da Praia” muito cantada naquela época) e por tantas noites de quartas e das tardes de sábado, ou Domingo no teu Maracanã.

Gratidão por teres me recebido após mais de 10 anos, com esposa e dois filhos, sendo que o caçula precisava, por problemas respiratórios, viver sob teus ares temperados com maresia.

Obrigado por teres proporcionado a meus filhos parte de infância, puberdade, adolescência, juventude e início da maturidade com muito céu, sol, mar, montanha, boa escolaridade, escotismo, formação acadêmica e oportunidades para desenvolvimento profissional.

Obrigado por teres possibilitado o melhor do viver de mamãe, conviver com os dois netos, bem como deles com a avó.

Grato pelas amizades construídas. Obrigado pelo teu Aterro do Flamengo, onde corria solta peladas de basquetebol praticamente todas as noites e nos finais de semana e onde antes da Aurora surgir, corríamos num grupo amante da vida.

Gratidão por teres mostrado o caminho espiritual, que tanto procurava o amor definitivo de minha vida. Além disso, como efeito colateral, conduziu-me de minha ignorância ateísta, à sabedoria da espiritualidade.

Grato pelo último emprego e por teres me possibilitado tornar-me letrista e compositor amador e, mais do que isso, apresentaste-me os arranjadores e intérpretes que transformaram a maioria das composições vocais, em canções e instrumentais.

Não bastava o registro em texto. Portanto, composição musical, que somente não rejeitarás, por saberes ser canto de “analfabeto musical”, mas das profundezas de coração dum desafinado.

Sei que mereces mais que uma sinfonia, que cantasse: em versos rimados com as curvas das enseadas, das princesinhas dos mares, das “terezas da praia” ... Curvas essas geradas num mesmo dia da Semana da Criação, em que o grande Arquiteto do Universo perdeu-Se no Trabalho e exagerou em Criatividade e Perfeição; o modo de ser carioca: alegre, cordial, gozador e amante fiel do exagero de beleza ajoelhada aos pés do Redentor; teus ídolos das artes e de tua história.

Canto a ti, em “Um Canto do Rio” e naquele abraço apertado, imensurável gratidão.

Muito obrigado Rio amado.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 25/06/2024
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