A DUALIDADE DO POETA
ANDRADE JORGE
Na adolescência descobri que gostava de escrever poesia, tinha 14/15 anos, o que não era normal entre a turma da mesma idade, não sei como foi, mas os resultados lembro-me, no colégio onde estudava meus escritos começaram se espalhar no caderno das meninas, naquela época não havia celular, o negócio era escrever textos em caderno, e da mesma forma eram repassados às amigas das amigas, depois para outras amigas, e virava uma pirâmide, tal ponto que num belo dia, li no caderno de uma colega da escola, uma poesia e lembrei-me do texto, pois o autor era eu mesmo, só que não tinha meu nome como autor. Perguntei se ela conhecia, respondeu que não, apresentei-me. Num determinado ponto, alguém esqueceu de colocar o nome do autor, por preguiça ou por achar que nem precisava, assim muitas poesias ficaram sem identificação do autor, e foram sendo repassadas, isso é um problema porque um mal intencionado pode colocar seu nome como autor. Mais tarde aprendi como registrar meus poemas.
O fato é que sabia que poderia escrever, de onde vinham as inspirações nem eu sabia, porém, certa ocasião já adulto minha mãe contou-me que ao colocar-me para dormir ela lia uma estorinhas da revista Luluzinha e Bolinha, e algumas vezes acabavam as estorinhas, e eu ainda com os olhos mais acesos que tocha de olimpíada, então ela ia folheando a mesma revista, fingia que estava lendo, na verdade estava criando outras estórinhas, até que eu adormecia. Eis de onde recebi o dom da imaginação para escrita.
Na adolescência, algum tempo fiquei sem escrever, mas lembro-me que escrevi uma poesia a pedido da minha mãe, para ser lido na igreja que ela frequentava, em homenagem ao dia das Mães, claro que escrevi, no dia acompanhei minha mãe ao culto, depois da pregação o Pastor solicitou minha presença à frente dos fiéis, fui, li, e recebi muitas palmas. Hoje fico imaginando o orgulho da minha mãe perante as outras mamães naquele dia. Por vários dias minha mãe querida ficou em êxtase pela minha apresentação. Por muito tempo minha poesia foi lembrada, mas infelizmente a perdi na poeira da vida.
Na maturidade, resolvi escrever pra valer mesmo, tipo lançar livro, etc, época que comecei frequentar saraus, reuniões, encontros literários, ampliando meus horizontes e conhecendo outros aedos como eu. Assim foi que já lancei quatro livros solo, e muitas participações em antologias, esses fatos literários, levou-me a ser admitido como membro efetivo em três Academias de Letras. Pois bem, todo esse rodeio para dizer que andei pensando, elucubrando, gastando o miolo, sobre a dualidade que o poeta vive, são dois mundos, ora transita no mundo encantado da ilusão, ora no real, o poeta pode vestir o manto da poesia e tornar-se invisível aos olhos dos simples mortais, mas, ainda assim continuará ser de carne, osso, sangue, chora na dor, ri na alegria, ele casa tem filhos, se o livro não dá o necessário sustento, ele vai trabalhar em outros setores. Vai ao mercado, padaria, paga boleto, se fica em débito seu nome vai para o SPC. É um normal, ou tanto quanto possa ser.
Entretanto, essa dualidade é de difícil separação, porque o ser poeta é incansável, não mede distância, nem hora, o homem pode estar resolvendo problemas da vida normal, mas a chamada inspiração não tem hora nem lugar, para se expressar, todo lugar é um bom lugar, qualquer situação poderá fornecer motivo para um texto literário/poético Vivenciamos essa dualidade, somos poetas a toda hora, e somos “normais” a toda hora, a linha é tênue.
Quando no dia-a-dia o homem dá uma resposta atravessada a alguém, o cuidador da vida alheia, sem saber dos fatos, logo diz
─ Credo! Ainda diz que é poeta.... se fosse mesmo não diria essas coisas.
Ora, vá plantar batata, mas com lirismo e poesia!
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AUTOR: Andrade Jorge, Poeta/Escritor, membro da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro e Academia Saltense de Letras.
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11/09/23 Término em 25/06/2024