São João

 

Era uma noite fria de inverno do século passado, de quando os invernos ainda eram sempre frios no Rio Grande do Sul, antes de o clima mudar. Logo, um tempo onde se podia acender o fogão à lenha dentro de casa para aquecer o ambiente e ninguém poderia supor ficar sem camisa. Pois ao final dessa noite de São Joao ele nasceu.

 

Nasceu para pular fogueira na vida, beber quentão e comer amendoim na casca junto com uma prenda bonita. Tudo era muito diferente naquela época. Aliás, as coisas sempre ficam diferentes, pois os tempos mudam. Pessoas nascem, crescem, reproduzem e morrem, outras vem em seu lugar e seguem em frente.

 

Não havia tanta tecnologia e o jornal diário impresso, comprado em banca ou assinado, estava em alta, junto com o rádio e a televisão. Telefone fixo era luxo de poucos. Ainda se jogava bola nos muitos campinhos que existiam em cada bairro. Enchentes e pandemias eram coisas do passado, do tempo das grandes guerras mundiais. Sua mãe fazia café-com-leite e pão com ovo nas manhãs de sábado e domingo e as famílias passeavam de fusca e DKV ou se reuniam para um churrasco. Por falar nisso, as melhores festas de aniversário eram as do seu Pedro Acosta, em fevereiro, na Colônia.

 

No cardápio da janta, churrasco assado em espeto de pau, maionese, arroz e tomate com cebola, tudo servido em pratos de papel sobre longas mesas de madeira cobertas com papel pardo. Chopp em barril e garrafinhas de refri (guaraná e limão). Muito gente ia, eram magníficas e fartas, estendiam-se pela madrugada. Nunca choveu no aniversário do seu Pedro Acosta.

 

O pessoal era católico, umbandista ou kardecista, nessa ordem, e não se via mais do que isso. O futebol local possuía prestígio e atraía público, poucos frequentavam assiduamente Olímpico ou Beira Rio. Não devemos olhar para o que passou com nostalgia, indiferença ou desprezo, pois nascemos no passado que foi devorado pelo presente a ser devorado pelo futuro. Inexorável, óbvio ululante. "Sobreviventes" do "bug do milênio", aquele que foi sem nunca ter sido, fake news primeva. Lembram disso?

 

Só São João permanece igual através dos tempos, seja na capela do Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre, ou no vitral da Igreja Navegantes, em Charqueadas, estrutural, material e imaterial. É nome de rede de farmácias, tem uma em cada esquina.