Guimba, bituca ou bagana
Na televisão, durante um bom tempo, um informe publicitário de advertência sobre o risco de ponta de cigarro acesa provocar incêndio na zona rural embaixo dos linhões de energia elétrica. Inteligentemente feito. Sábia e bem-humorada exploração da variação linguística entre os componentes do público destinatário da advertência. Durante cerca de dois minutos, dois amigos discordavam veementemente entre si. Um dizia: “É guimba.” O outro dizia: “É bituca.” O primeiro, visivelmente irritado, retrucava: “É guimba, Zé!”. E seguia a teima, sem perspectiva de acordo, até aparecer um terceiro, que, em tom assertivo, sentenciava: “Todo mundo está cansado de saber que o nome disso é bagana.” Bem bolado!
E aí? Bagana, guimba ou bituca? Bom, depende do lugar do falante. Substantivos femininos, guimba, bituca e bagana são sinônimos e designam a ponta do cigarro fumado. Meus pais, por exemplo, eram fumantes e chamavam de bagana. Cresci ouvindo esse nome. Só na juventude, ao conhecer pessoas de outras regiões do país, ouvi chamar de bituca e de guimba. Riquezas da língua portuguesa, do português do Brasil. Variação linguística diatópica. Do grego topos (τόπος), lugar. Daí também se dizer variação geográfica e variação regional.
É coisa bem nossa. Brasileirismo, nos três casos. E em outros mais. Faz tempo que, dada a minha predileção por dicionários, aprendi que existem vários outros nomes dicionarizados para a ponta de cigarro fumado, dentre eles o nome beata. O português do Brasil é riquíssimo em brasileirismos, fenômeno que, evidentemente, deve ocorrer nos outros países de língua portuguesa. Aliás, além da variação diatópica e de outros tipos de variação, muito influente é a variação linguística diacrônica. Do grego chronos (χρόνος), tempo. É a variação linguística histórica, surgimento de palavras novas e desaparecimento de palavras pelo desuso, algo, logicamente, característico de toda língua viva.
Pois bem. Aprecio muito, como cronista, as abonações literárias e gosto de consultar os bons dicionários que as dão. Assim, fui à cata. Garimpei no Aulete e no Aurélio. Ambos são bons nisso. No Aurélio, encontrei esta, que transcrevo: “Quase se queimou com a bituca de cigarro presa nos dedos” (Marcelo Rubens Paiva, Não És Tu, Brasil, p. 143). Maravilha! A abonação literária tem duplo valor, pois, a um só tempo, enriquece a definição da palavra estudada, bem como divulga e valoriza o escritor e sua obra.
Outra coisa interessante. Bagana, bituca, guimba ou qualquer dos nomes que são dados à coisa não se presta apenas para provocar incêndio e exalar o mau cheiro que lhe é característico. Pode ser muito útil, por exemplo, em uma investigação criminal, para identificar alguém. A bagana de um cigarro fumado pelo suspeito é um material excelente para exame de ácido desoxirribonucleico, o conhecido DNA. Sei, como profissional do Direito, de vários casos em que o DNA do suspeito foi coletado em guimba, bituca, bagana, beata ou qualquer outro dos muitos nomes que a coisa tem.