SHOW DE ROCK
Ontem à noite fui a um show de rock. Estava quente e abafado. Em meio a uma multidão de cabeludos vestindo camisas estampadas, estávamos lá, minha amada e eu. Ela dançava com uma desenvoltura sem igual, ao passo que eu, sem molejo algum, apenas me movia todo desengonçado. Os cabelos dela voavam ao vento, como nuvens que dançam sob a luz das estrelas, enquanto seus olhos reluziam com uma intensidade que nem a lua poderia imitar.
De repente, ela me lança um olhar suplicante e diz: “amor, você pode pegar uma latinha de refrigerante para mim? Estou morrendo de sede.” Claro, pensei eu, uma tarefa que parecia ser simples, mas que se revelaria uma verdadeira odisseia. Assumi a responsabilidade da missão e, como a Kim Kardashian em busca do brinco de diamante perdido, parti em busca da coquinha gelada.
Fui à barraquinha de vendas mais próxima, que estava à vista. Chegando lá, me vi cercado uma gente esquisita. Não conseguia nem identificar onde começava a fila. Lá estavam os os autoproclamados conhecedores de música alternativa, com suas barbas desgrenhadas e suas camisas xadrez.
De um lado, aqueles que proclamavam seu amor pela Legião Urbana vestindo camisetas do Renato Russo, que se autointitulam punks e cuja maior rebeldia foi pintar o cabelo de vermelho. E que mal sabiam cantar a letra de "Tempo Perdido". Meros espectadores de sua própria hipocrisia. Do outro lado estavam eles, os seguidores de Kurt Cobain, com suas pseudo-depressões e camisas flaneladas, calças furadas e tênis imundos. Eles mesmos, que não tomam banho por achar que isso é uma atitude muito grunge!
Para o meu azar, a barraquinha era especializada em cerveja artesanal, que era retirada de um barril com uma torneirinha, como se fosse um ritual sagrado. Os atendentes vertiam gota por gota. Bem lentamente. Como se estivessem esculpindo uma obra de arte líquida, que, pela coloração, mais parecia um xixi de camelo.
O pior de tudo é que os boçais estavam furando fila. E eu, que só queria uma latinha de coca, que estava prontinha no refrigerador só me esperando, tive de aguardar, com a alma aflita, estando condenado a testemunhar um espetáculo de ineficiência e arrogância, enquanto esperava pacientemente minha vez.
Enquanto isso, minha amada continuava dançando, alheia à minha agonia. Eu a via de longe, como uma miragem no deserto. Ela era a única coisa que mantinha a minha sanidade mental em boas condições naquele momento insano.
Finalmente, depois de duas ou três músicas e uma eternidade de espera, fui atendido e, pasmem: não durou 30 segundos desde o tempo de eu dizer o que queria até finalizar o pagamento.
Naquele momento senti vontade de chorar por todo o tempo desperdiçado na fila, até que a banda começou a tocar “Boys don’t cry”. Não me poderia vir um consolo melhor em tempo tão oportuno.
Não pensei duas vezes. Peguei a bendita coquinha gelada como um corredor que pega o bastão, e voltei correndo aos braços de minha amada, levando nas mãos a latinha, como se fosse um troféu. Ela me recebeu com um sorriso radiante e um olhar admirador para a latinha sem canudo. "É para não matar os golfinhos", expliquei, me sentindo um herói ecológico. Eu sabia que ela era adepta da ideia que o descarte mal feito dos canudos pode matar os golfinhos e, por isso, recusa-se a usá-los, como uma espécie de protesto.
Ela lançou-me um olhar de admiração com um sorriso apaixonante. Seus olhos brilhavam com uma intensidade que iluminava toda a escuridão ao nosso redor, e assim, voltamos a dançar. Vê-la toda feliz dançando ao som de suas músicas favoritas e tomando seu refrigerante era tudo que eu precisava naquela noite. Nada mais importava e eu só conseguia pensar: “como eu amo essa mulher!”.