Vista cansada
Ando com a vista cansada. Preferia não fazê-lo, tal qual Bartleby, o escrivão. Então, movido pela esperança de encontrar um remédio para vista cansada, fui ao oftalmologista. O especialista em vista me fez uma bateria de perguntas interessantes, iniciando com um coliriozinho em meus olhos, e só depois interessado em saber o motivo de minha visita.
Achei o procedimento malvadiço: não poderia trazer as inquirições antes e, só depois, proceder com o líquido corrosivo em meus olhos? De modo que me pareceu uma tortura responder ao interrogatório sobre o motivo de minha visita, minha profissão, se consumo álcool, se fumo, se pratico ioga, com os olhos em chamas. Mas enfim, em matéria de vista cansada, entendo tanto quanto de álgebra linear...
Respondi comportadamente às perguntas do especialista, menos a sobre minha idade. Essa não precisou, já que era uma pergunta despropositada senão retórica, tendo em vista constar do cadastro médico oftalmológico. Ao final da entrevista, e do colírio, o homem da capa branca não me revelou uma solução definitiva para minha vista cansada. Disse apenas que meu cansaço visual é fruto de um ''processo natural", acelerado por minha idade, profissão, meu tempo de tela, meus passatempos.
Sem dúvida, deve haver alguma razão no diagnóstico do especialista. Achei a avaliação convincente, sendo eu um funcionário público computadorizado, quase um quarentão na idade, tendo como uma das principais distrações nas horas vagas cansar a vista frente a leituras.
Ao final da consulta, advieram algumas recomendações paliativas com vistas a descansar minha vista cansada. Coisa que Bartleby provavelmente preferiria não fazê-lo. Eu também não. Mas, como diz o senso comum, conselho de médico e de advogado deve-se levar em certa consideração. Assim, acatei, com ressalvas, porém, o diagnóstico, e sorri para o médico, senão com algum tom de ironia. Afinal, a ironia, talvez Bartleby concorde, é um excelente remédio para vista cansada.