O Dia Antes do Amanhã

Oitenta batimentos em sessenta segundos, em média. 4800 por hora, 115200 por dia. Ao longo dos 27 e quebrados, o pulsar já passou do trilhão, aumentando lentamente a cada instante. Quanto ritmo resta no tambor vital? Nunca saberei se para uma discografia, uma coletânea, um álbum, uma canção. Quem sabe mais três compassos. Quem sabe antes do próximo ponto final.

O maior mito da humanidade é o momento que se segue. Não há existência tangível no futuro. Se reserva a ser apenas um conceito, uma ideia desesperadora que nunca será real. A cada passo para perto do que virá o torna o que é, e o que é sempre é tudo que há. A cada letra escrita me percebo ciente de que o universo poderia ter sido criado entre um S e outro, e não há prova tangível em nossa vã filosofia que não o foi. A realidade dura menos que um milésimo, um instante plancktoniano de renderização das partículas, que se cria e destrói no breve intervalo, para se criar de novo um piscar depois.

Não há movimento real em filmagens e gravações. O conjunto de milhares de gravuras sobrepostas, associado à posição oscilante de ondas mecânicas, só se torna um registro quando cada instante progride a linha temporal da arte. Não existem músicas com duração maior que um momento, mas se tornam peças quando as ilusões de passado e futuro ligam breves harmonias. Não existe vida maior que uma inspiração, que se desfaz em poeira espaço-temporal e imediatamente se cria de novo. Não há tempo, além do marcar do presente, talvez o maior inconstante em nosso universo cíclico.

De que me resta esperar o ano seguinte? A próxima semana? O próximo momento oportuno? Qual o valor de aguardar um instante sequer? Minha primeira meditação estudada me ensinou que a oportunidade de ser humano é única. A próxima? Que eu posso morrer amanhã. Que eu posso não mais existir antes do cronômetro marcar a próxima fração. Num tabuleiro de xadrez, um movimento apressado lhe custa a posição de vantagem. Um movimento sensato, entretanto, não se resume a calcular até o dia de meu funeral o avanço de um pequeno peão. Cada momento calculando a jogada perfeita é uma oportunidade a menos de analisar uma nova posição, uma nova resposta. Não é preciso agir assim que a sinapse elétrica atinge a consciência, mas ignorá-la por tempo demais não abre espaço para novas analises, de um diferente presente com sua única perspectiva.

Eu vou morrer. Você vai morrer. Trump, Gyatso, Ji-Ping, Musk, o dono do bar da esquina, a criança que empina sua pipa, a laranjeira do quintal, o companheiro animal amado, o laço mal cuidado, a história apagada, a imposição social, o planeta, as estrelas, os buracos negros. Dado o pulsar devido, tudo vai morrer. Aquilo que cessa não age. Aquilo que não age, não transforma. Aquilo que não transforma faz o mesmo que não existir.

O que não importa sempre será perda de pulso. O que importa sempre será urgente como um leito de morte. O que não tem valor pode se escorrer com as areias, os tesouros devem ser preservados como instantes eternos, ciclicamente renovados, para que o corroer do presente não tire do observador a chance de apreciar teu brilho, que também morrerá.

Aos que desejo ódio, que a sombra solar os carregue pelas marcas horarias como apenas sentimentos do amanhã. Aos que desejo amor: eu os amo. No presente, e apenas no presente. Em cada presente dos infinitos presentes que virão até meu último pulsar.

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 22/06/2024
Código do texto: T8091126
Classificação de conteúdo: seguro