NPC também ama
Gerson se sentia como um NPC, um personagem de jogos que só é ativado quando alguém chega perto, então ele automaticamente recitava o seu script sem nem pensar nas palavras. O balcão de atendimento era o seu mundo, e ali ele desempenhava o seu papel com precisão quase robótica de segunda a sábado.
Pedro, entrou com seu gingado característico, Gerson já sabia que ele estava a caminho. Poderia identificá-lo até o corredor de laticínios, que era o sexto corredor na frente de seu balcão de atendimento. Já tinha testado isso várias vezes; após o sétimo corredor, ele já não sabia se era Pedro ou não, pois todos no mercado usavam o mesmo uniforme, máscara e rede nos cabelos, como exigia o protocolo.
Pedro entrou rapidinho, sem dar motivos para o supervisor notar sua presença. Ele sempre dava um jeito de parar no balcão de atendimento do Gerson para fazer uma gracinha. Chegava com um sorriso escondido sob a máscara, mas visível nos olhos.
— E aí big G? Como vai a vida de NPC? — perguntou Pedro, enquanto se escorava no balcão.
Gerson esboçou um sorriso que ele guardava só para Pedro
— Bem-vindo ao nosso balcão de atendimento, em que posso ajudar? — respondeu Gerson, em um tom exageradamente formal. — Ops, script errado! —
— Palhacinho. — Pedro respondeu, dando um leve toque na mão de Gerson e fazendo seu coração disparar, Pedro estava tão próximo que dava pra sentir o calor do seu corpo e o cheiro do perfume cítrico que ele sempre usava.
— A mesma de sempre. Esperando os jogadores interagirem comigo — respondeu Gerson um pouco desconcertado.
Pedro riu, um som abafado pela máscara, mas que ainda assim aquecia o coração de Gerson.
— Um dia você vai sair desse jogo, GG. Vai ver só — disse Pedro, te encontro no intervalo daqui a dez minutinhos, piscando um olho e seguindo seu caminho antes que o supervisor notasse.
Gerson observou Pedro se afastar, seu perfume ainda estava no ar, o gingado característico desaparecendo na multidão de uniformes idênticos e clientes que perambulavam pelo mercado.
Observo tudo de longe, meu café esfriou.