ANTÍDOTO PARA FAKE NEWS

Como qualquer criança, éramos acostumados a nos divertir contando mentira ou sendo pegos em alguma, mas, há exatos 60 anos, o dia 1º de abril amanheceu cinzento no bairro da Glória, onde fomos morar, quando nos mudamos para o ES.

Naquela manhã, muitas janelas estavam fechadas, nas ruas quase ninguém passava, as crianças não apareceram para brincar nas ruas paralelas à rodovia Carlos Lindemberg (liga Vitória a Vila Velha) e esta estava, inusitadamente, deserta. Havia alguma coisa estranha no ar e ninguém sabia o que era ou se sabia não me disseram.

O dia foi avançando e, à noitinha, o meu pai chegou em casa, vindo do 3º BC (atual 38º BI). Então ele falou da Revolução, disse que o povo exigiu que o Exército Brasileiro tomasse o poder, pois “o Brasil corria o risco de virar uma Cuba”. (Qualquer semelhança com as proposições e discursos utilizados pelo pessoal que acampou até em frente a Tiros de Guerra, em 2022, não é mera coincidência.).

Em 1968, nós nos mudamos para Linhares, ES, e minha vida seguiu tranquila. No Colégio Estadual a gente, às vezes, ouvia a dupla Dom e Ravel cantando “Eu te amo meu Brasil, eu te amo/ Meu coração é verde, amarelo, branco, azul, anil/ Eu te amo meu Brasil, eu te amo/ Ninguém segura a juventude do Brasil”...

Embora achássemos estranho vermos avisos introduzindo e liberando os programas nas televisões; bem como ouvíssemos, pelos cantos, sussurros informando que determinadas músicas ou peças teatrais haviam sido censuradas pelo governo militar; sinceramente, eu não sei se alguém em Linhares sonhava que existiam DOI CODIs (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) e que nesses locais pessoas covardes torturavam seres humanos.

Doze anos após o “Dia da Revolução Militar”, eu ingressei no Ensino Superior para cursar Letras e me recordo de que em meu currículo só constava uma disciplina cujo nome terminava em -IA: Psicologia. Isso significa dizer que, formalmente, eu nunca estudei Filosofia e Sociologia, matérias que podem ensinar o sujeito a testar seus pensamentos e a se tornar mais humano. Não sei se isso aconteceu em todos os cursos superiores, mas você poderá responder pelo que estudou durante a sua vida escolar.

A vida dá muitas voltas e, no início dos anos 2000, eu me tornei coordenadora de cursos superiores. Nesses anos eu vi essas duas disciplinas integrarem os currículos de quase todos os cursos, mas constatei a dificuldade de se encontrar professores habilitados para lecioná-las, fazendo com que fossem delegadas a pessoas que estivessem dispostas a aprender um pouco, autonomamente, e a transmitir esses conhecimentos.

Foi exatamente isso o que aconteceu comigo e sou imensamente grata a Deus por ter sido apresentada a vários pensadores da antiguidade, entre eles, àquele que é conhecido como “ o Pai da Lógica”: Aristóteles. Refiro-me ao macedônio que foi aluno de Platão, professor da Academia, mestre de Alexandre o Grande e fundador do Liceu, sua escola de Filosofia.

Além de sua obra “Ética para Nicômanos”, talvez, o mais importante legado de Aristóteles para a humanidade sejam os seus ensinamentos sobre análise, depuração e lapidação de pensamentos. A isso chamamos de silogismos, que, por sua vez, são estruturados com duas premissas, uma chamada de MAIOR (P.1: declarativa) e outra de MENOR (P.2: indicativa). Ambas conduzem a uma conclusão, que poderá ser verdadeira ou falsa.

Importante ressaltar que os falsos silogismos são chamados de FALÁCIAS (quando são ditas por pura ignorância) ou de SOFISMAS (quando são feitas por maldade ou por interesses escusos.). O termo vem de SOFISTAS, mestres da retórica e da oratória que, em troca de dinheiro, acreditavam que a verdade é relativa e mutável. Por terem ensinado as pessoas da antiguidade a criarem argumentos, eles são considerados os precursores dos advogados.

A construção de silogismos exige atender a várias regras (sugiro que você as pesquise, caso se interesse), mas apenas para brincar, apresento-lhes três deles e proponho que classifique cada um como: VERDADE, FALÁCIA ou SOFISMA:

1. Tempo é dinheiro. Os vadios têm todo o tempo do mundo. Logo, os vagabundos têm mais dinheiro que os trabalhadores. (CLASSIFICAÇÃO................................)

2. Estupradores são despertados por corpos femininos bonitos. Muitas meninas usam roupas provocantes. Portanto, as meninas são culpadas por seus estupros. (CLASSIFICAÇÃO................................................)

3. Jornalistas desonestos vendem suas consciências e produzem mentiras. As matérias produzidas por José são encomendadas e pagas por gente que tem interesses escusos. Logo, José é desonesto e mentiroso. (CLASSIFICAÇÃO...............................................).

Brincadeiras à parte, posso lhe garantir que existe um efeito colateral na internalização do funcionamento de silogismos: sentimentos de raiva ou de decepção ao ouvir ou ler mentiras faladas ou postadas por gente que julgávamos serem honestas, decentes e/ou inteligentes.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 20/06/2024
Reeditado em 02/07/2024
Código do texto: T8090170
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