"SaLdade, palavra triste"

 

Correio sem Juremir, ZH sem Peninha, sou eu, assim, sem você. Por falar em ZH, vocês que, como eu e meu confrade Sérgio Apache, ainda leem jornal impresso, já repararam que o Almanaque do Ricardo Chaves sumiu do jornal, junto com o Segundo Caderno e com o Karnal no Caderno Doc do fim de semana?

 

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Chico Buarque de Holanda fez 80 anos ontem. Tá um velho bem inteiro, mais do que os da minha família. Tem uma esposa de 49 anos, mais nova que a do Lula - mas perde longe pro Temer, o imbatível. Grande Chico, um dos maiores nomes da MPB que ainda é escritor consagrado, uma das personalidades brasileiras do século XX. Filho de uma pianista e do famoso sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor do clássico Raízes do Brasil. Minha mãe tinha esse livro, capa laranja com letras pretas, que nem o Caderno H do Quintana, mas na época eu tava mais a fim dos quintanares do que da Sociologia. Tenho um primo que se chama Éverton de Holanda, vai que sou parente de um parente do Chico, né? Meu sobrinho, o Cabelo, parece com o Chico jovem, só faltam os olhos verdes. Sim, meu sobrinho é bonito e casou com a Mosquitinha do Amor, mas isso é outra história. Voltando pro Chico, que é de esquerda e foi perseguido pela ditadura, além de ser tricolor - Fluminense, quase a mesma coisa que ser gremista. Queria ficar bom no violão popular na juventude e concluí que suas canções, cheias de acordes e harmonias complexas, eram o caminho. E lá fui, educando as mãos direita e esquerda em seu repertório - deu certo! Feliz aniversário, Chico, meu velho.

 

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SaLdade, palavra triste

 

Criança dá trabalho, velho dá problema.

Criança é lisinha, velho é enrugadinho.

Criança é dengosa, velho é ranzinza.

Criança tem futuro, velho tem passado.

Criança é banguela, velho usa chapa.

Criança usa fralda e carrinho, velho usa fraldão e cadeira.

Crianças crescem e ficam, velhos encolhem e se vão...

 

Tão fofas as crianças, crescendo sob nossos cuidados, a gente auxiliando sua construção. Já os velhos, acabados, em desconstrução, exigindo nosso cuidado e atenção, céleres em direção ao abismo da debacle do corpo físico. Mas, sabe, que falta daquele velhinho mau humorado andando de bengala e me batendo com ela: "Me respeita, guri de merda". Imagina, que elogio, quem ainda me chamava de guri neste mundo? Daquela velhinha na cadeira de rodas, sorridente, toda faceira com seu "piloto" - e o "piloto" mais ainda. Da tia velha linda e cheirosa que ainda me apertava as bochechas e me chamava de apelidos de criança, enquanto eu cafungava no seu pescoço ou nuca. "Pára, guri, pára" - ria-se. Do tio que me deu mil conselhos e o primeiro emprego, de auxiliar de pedreiro. Eles se foram e a criança morreu com eles. Quando o último velho da família se vai uma porta se fecha e uma sala deste plano físico é lacrada para sempre. A partir de agora, somos nós com nossas próprias memórias, não há mais sábio de plantão com a poção da eterna meninice. Velhos deram problema, mas deram tantas soluções. Velhinhos, amados velhinhos, o que será da minha vida agora sem vocês? "SaLdade, palavra triste, quando se perde um grande amor". Restaram as crianças e, espero, um dia, ser um velhinho pra elas como vocês foram pra mim. "Foi um privilégio ter estado com vocês".