Entre Sem Bater - A Mineiridade

Marilena Chauí disse:

"... não me venham com o folclore da mineirice ou da mineiridade, que a política não se explica pela presença de montanhas e a ausência de praias ..."(1)

Algumas pessoas, ilustres e inteligentes como é Marilena Chauí, arregimentam inimigos figadais que são mais raivosos que um cão. Desse modo, entendemos como algumas pessoas têm raiva de Marilena, a incompetência provoca isso. É importante ressaltar que o seu pensamento sobre mineiridade é também o meu. Apoio a pensadora brasileira em muitas coisas e, por isso, talvez eu arregimente inimigos.

MINEIRIDADE

A mineiridade não tem explicação, mas não explica tudo no mundo.

As pessoas, muitas vezes, não entendem os contextos em que a mineiridade explica as coisas. Ser mineiro é diferente, podem acreditar. Ao contrário de muitos mineiros que conheço que odeiam a Marilena, eu a admiro não somente sobre a frase-chave deste texto. Certamente, o contexto da frase foi, especificamente sobre a política, mas nesta trilha de textos a ideia é abrir o debate.

É provável que, nestes obscuros e rasteiros tempos modernos, muitos narizinhos se empinem somente pela autoria da frase. Sem medo de errar, afirmo que estes que não passam do título do texto ou da referência à autoria perdem grandes oportunidades.

Em um evento recente, uma paulistana falou sobre o pessoal da política (homens e mulheres) que se preocupam com os úteros alheios. Cagam as regrinhas, principalmente os religiosos que querem dominar o mundo, e não aguentam as mulheres que pensam. Belas palavras, que a mineiridade de muitas mulheres e homens não consegue nem parar e refletir.

E, assim sendo, vamos explicando porque na política e na vida, a mineiridade nem sempre é uma atitude louvável.

DITOS POPULARES

Alguns ditados populares têm a minha completa aversão. Não tenho nem ideia de onde começaram e nem qual a intenção de quem os criou, são lixo.

Mineiro trabalha em silêncio.

Dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair.

Mineiro só come pelas beiradas.

O mineiro só é solidário no câncer.

Um monte de bobagens que serve, sobretudo, para a despolitização de qualquer assunto, do jeito que o diabo gosta. Estas expressões tornaram-se tão populares que muitos mineiros levam a sério, e quem o contraria passa a ser inimigo.

Todas as frases, expressões e ditos populares, sem dúvida, caracterizam o mineiro e a mineiridade, mas são folclore que não explicam as coisas. Por isso, Marilena Chauí acertou quando fez a referência à mineiridade para a política e, analogamente, para outras editorias.

ATRASO DE VIDA

Atraso de vida é uma expressão que pode ser típica do mineiro, mas, de uma forma ou de outra, tem similaridades em muitas outras culturas.

Marilena Chauí utilizou este termo numa outra declaração(*) que serviu, a princípio, para arrebanhar mais inimigos.

"... Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez(2); é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. (...) A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim."

Em primeiro lugar, faz parte do folclore que os mineiros apresentem-se como atentos com suas palavras e que preferem o diálogo indireto. É provável que muitos utilizem estas características para levar vantagem, mas é um grande atraso de vida, uma enganação.

Esse estilo, aparentemente comunicativo, embora eficiente em contextos presenciais e tradicionais, torna-se problemático no ambiente digital. Estes tempos modernos exigem uma clareza e a rapidez que a mineiridade não consegue acompanhar. A ambiguidade típica dos mineiros leva, sem dúvida, a mal-entendidos e desentendimentos nas redes sociais. Desta forma, muitas mensagens sofrem, frequentemente, interpretações completamente fora de contexto.

CONTEXTOS MODERNOS

Os contextos modernos e as tecnologias fizeram com que a mineiridade servisse apenas para comediantes stand-up ficarem ricos. A princípio, não me importo com as piadas e o humor, e creio que a maioria dos mineiros também não. Por outro lado, quando a Marilena Chauí faz referência à mineiridade, é impressionante a quantidade de sociólogos que a agridem.

Políticos e sociólogos tradicionais deveriam ser mais compreensíveis, comportamento que não podemos esperar de quem não entende de ironia. Contudo, estes tempos modernos foram uma geração que tem pressa, e gosta de uma superficialidade sem limites. Citar, por exemplo, trechos de Guimarães Rosa ou Drummond para explicar a mineiridade para esta nova geração é inútil.

Ademais, a ironia, uma ferramenta comum na comunicação mineira, se perde ou tem interpretações errôneas nas plataformas digitais. A comunicação escrita carece de entonação e expressão facial, elementos cruciais para entender nuances irônicas. Consequentemente, aquilo que se diz de forma jocosa tem uma interpretação literal, gerando conflitos e ofensas não intencionais.

Surpreendentemente, até mesmo a inteligência artificial, com todos os seus avanços, possui dificuldades em decifrar ironias e subtextos. Algoritmos que processam a linguagem natural ainda encontram grandes desafios em interpretar corretamente as intenções e as ironias.

SER MINEIRO

Existem muitos poemas e textos sobre o que é ou não é ser mineiro. É provável que um dia existirá um livro inteiro somente sobre o que é esta condição decorrente da naturalidade. Entretanto, parafraseando o poeta, assim como "... Minas são muitas ..." a mineiridade é infinita e cabe em qualquer tema de debate.

A mineiridade também valoriza a privacidade(3) e a reserva, características que tornam-se desvantagens nas redes sociais. Em um ambiente onde a autopromoção e a visibilidade constante são requisitos para o sucesso, o mineiro anda na contramão. Desse modo, apresentar-se com a modéstia mineira é prejudicial e, por outro lado, dizer o pensa, vira arrogância e prepotência.

Além disso, o ritmo de vida mais calmo e introspectivo dos mineiros é um entrave numa sociedade que valoriza a velocidade e a superficialidade. A hesitação e a análise cuidadosa, características da mineiridade, mostram-se uma espécie de procrastinação ou falta de iniciativa.

SPBREVIVER É PRECISO

Em suma, a mineiridade tem seus méritos e contribui, sobremaneira, para a riqueza cultural do Brasil. Em tempos de redes sociais e comunicação instantânea, esses mesmos comportamentos são desvantajosos. A ambiguidade, a ironia e a reserva, de alto valor na cultura mineira, encontram dificuldades nos ambientes digitais. Portanto, adaptar-se aos novos tempos e contextos é crucial para não ficar para trás, mesmo para aqueles que prezam pela mineiridade.

A mineiridade e suas características culturais e comportamentais podem ter um viés de cordialidade, discrição e hospitalidade. No entanto, em tempos modernos, essa mesma mineiridade se revela um verdadeiro atraso de vida ou motivo para controvérsias.

Vivemos, com toda a certeza, a ditadura da ignorância com limites de 280 caracteres ou somente uma dancinha com música de fundo. E nós, os mineiros, sofremos muito mais com a falta de capacidade destas inteligências artificiais e burrices naturais.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Frase cuja menção ocorreu em um evento da Fundação Maurício Grabois no dia 13 de maio de 2013.

(1) "Entre Sem Bater - Marilena Chauí - A Mineiridade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/20/entre-sem-bater-marilena-chaui-a-mineiridade/

(2) "Entre Sem Bater - Arnaldo Jabor - A Estupidez" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/18/entre-sem-bater-arnaldo-jabor-a-estupidez/

(3) "Dê adeus à sua pretensa privacidade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/04/28/de-adeus-a-sua-pretensa-privacidade/