DOSTOIÉVSKY X TOLSTÓI

Meus pais tinham uma coisa em comum, contar histórias. Minha mãe contava quando estava deprimida, meu pai quando estava bêbado, cada um com sua inspiração, dessa mistura pouco comum nos lares brasileiros tinha que nascer um poeta.

Não tinha nada de mais nas histórias que eles contavam, coisas da vida de gente comum, que come feijão. Mamãe era realista e poética, papai era romântico e dramático, e eu crescendo no meio dessa bagunça.

Em dezembro de 1977, dona Hozana (nome da minha mãe) viajou comigo do Rio de Janeiro para Campos dos Goitacázes, para encontrar com meu pai e curtir as festas de fim de ano, ela estava grávida de três meses do meu irmão, eu tinha um ano e três meses e estava naquela fase que os bebês descobrem outras utilidades para suas mãos, além daquela de apalpar os seios durante a amamentação, durante esse período vamos aprendendo inconscientemente que não se deve colocar a mão em cumbuca. Durante a viagem ela cochilou, não deve ser fácil estar grávida de três meses com um moleque que quer mexer em tudo, que não fica quieto e pulando no seu colo. Com a bela adormecida fora de combate, era meu momento de brilhar. Tinha um senhor sentado ao nosso lado, com uma ferramenta altamente tecnológica nas mãos, que revolucionou parte da história da humanidade, conhecida como jornal, eu tomei ele das mãos do coroa, fiz várias leitura e releituras e também fiz ele em pedaços. Como tudo que é bom dura pouco, a mulher acordou, e ficou morrendo de vergonha, ela não sabia onde enfiar a cara. O antigo dono “daquela coisa incrível e cheia de imagens e letras”, disse, “que não tinha problema, que estava tudo bem, aquilo era só um jornal”.

Em 1979, eu com três anos, tinha uma questão muito importante, filosófica e psicanalítica para resolver com seu Everaldo (nome do meu pai), ele queria que eu largasse a chupeta. Têm coisa mais ridícula que criança que chupa chupeta? Freud explica... Eu mostrei toda a maturidade que eu tinha adquirido até ali, e arremessei a chupeta pela janela, morávamos no segundo andar, depois fiquei na janela vendo os carros passarem por cima do meu utensílio infantil.

A vida é assim, não se pode ter tudo. Nunca pude agradecer o senhor que me emprestou o jornal, e nunca pude jogar meu pai pela janela, para ver os carros passarem por cima dele.

E o Dostoiévski e o Tolstói? Dostoiévski e Tolstói que foda...

Telly S M
Enviado por Telly S M em 20/06/2024
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