DOR E SOMBRA

Certos desejos tem voz áspera e pele hostil.

Adoram saltitar nos folguedos do querer-bem e nas rebarbas

do que teimamos acarinhar.

São gomos austeros enfurnanos nas cavernas guardadas

nos cantos da gente, feito duendes alucinados à cata de luz.

Esses desejos agrestes vagueiam como zumbis por todo canto,

por vezes disfarçados de afago, por vezes escancarados de solidão.

São réstias abruptas de uma insana casca, oca e desanuviada,

absorta nas próprias ancas e querelas, donas da própria dor e sombra.

Já os flagrei rosnando, soluçando, parindo.

Já os fiz confessar, desnudar e debandar de mim.

Foram inócuos voos alvissareiros, solenes. Talvez benditos.

Então os deixei debandar, alforriados,

numa couraça oca de sonhos e poréns.

Assim pude esbravejar o que tinha de mais lindo e terno.

Para, quem sabe, até esvoaçar, até morrer.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 20/06/2024
Código do texto: T8089667
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