DORMINDO NA CHUVA
A cidade adormeceu há pouco sob o ruído monótono da chuvinha magra respingando sobre os telhados. O silêncio é quebrado apenas pelo coachar das rãs macho enlouquecidas de desejo, clamando pela companhia das fêmeas em derredor atentas ao convite mais apaixonante. Também ouço grilos afoitos e aflitos aos gritos pelas parceiras, nem os bichos se sentem bem sozinhos. Há uma premente necessidade sentimental e emocional na vida. Mas é só, a maioria das criaturas pegou no sono.
Da fresta na janela repouso o olhar no céu carregado, procurando estrelas à toa, mesmo sabendo que elas se escondem das nuvens escuras. É possível avistar os pingos da chuva através das lâmpadas dos postes acesas, o vento leva-os à dança espalhafatosa como se no ar uma orquestra invisível sob o comando de um maestro bobo tocasse para bêbados insones. Parece a festa do absurdo. O frio acena para mim mal humorado.
Tento dormir quando me deito pensando positivo, sonhando de olhos abertos com qualquer devaneio que acalente meu coração. A monotonia fluindo lá fora pede licença para incomodar meus tímpanos, tenta impedir-me de dormir, é insistente. Viro de um lado para o outro, fecho os olhos, me jogo no esconderijo dos pensamentos mas a chuva me acha porque o vento aumentou de intensidade, soprando alto.
Levanto da cama, pego um livro qualquer da estante em busca de ilusão ou fantasia. O sofá me atrai, o livro não. Ainda assim o folheio querendo ler a fim de passar o tempo e o sono chegar. Aos poucos consegui atentar ao fascínio da obra sem perceber que me entregava aos seus delírios e, pouco a pouco, as pálpebras relaxaram, o livro caiu e eu adormeci. O chuvisco acompanhou meu ressonar, o sofá me acolheu e nele amanheci. O livro no chão velou meu descanso.