Já visitou a casa de alguém que já morreu? Eu já. Algumas vezes.
A sensação que dá é de algo inacabado, uma memória estática, a fotografia do último momento da pessoa, seu movimento e tudo que possa ser lembrado como seus últimos instantes ali. Como uma fotografia em movimento enquanto os olhares percorrem o ambiente. E tudo que pertencia apenas a quem ali morava, de repente, deixa de ser. E quem se foi começa então a ser visto e definido através da sua casa e da maneira como as coisas foram deixadas. Suas coisas. E mesmo que tenha sido alguém de constante alegria, o ambiente parece transmitir uma solidão avassaladora, talvez, exatamente o oposto do que viu antes de fechar as portas pela última vez. Tudo é analisado, a maneira como as roupas foram abotoadas, a última bebida, a cama, o casaco, a cozinha e o conteúdo dos armários. Se algo está fora do lugar, arrumado demais, as batatas que nunca chegaram à fritura, a comida vencida na geladeira. Diversas vezes a casa será analisada. Principalmente quando esvaziada e os pertences tomarem outros rumos. Um brechó, quem sabe, o lixo, herança para algum amigo ou parente. A casa será invadida, coisas antes tão guardadas com todo cuidado dentro da cristaleira serão mexidas, futucadas e nem sempre de maneira respeitosa e cuidadosa. Livros que não eram emprestados de forma alguma, agora serão contorcidos entre mãos desinteressadas e que continuarão a mexer nos objetos sem qualquer consideração. São poucos que fazem uma pausa e olham ao redor com o coração em reverência, toques cuidadosos, porque cada coisa ali conta uma história. As mãos que marcaram os panos de prato não dirão mais nada além daquela última cena. Os passos que iam em direção à escadaria, seguidos pelas próprias memórias, cessaram. As roupas que ficaram de ser lavadas, não mais. Talvez até a pessoa tenha saído tão depressa que tenha esquecido que, algum dia, seria realmente o último, impedindo-a de curtir mais um pouco o seu lar. E, na distração dos afazeres, tenha curtido menos do que deveria, deixando para trás tarefas pela metade. As que realmente importavam. Naquela cadeira preferida, não se sentará mais. Até mesmo a casa parece ter se despedido às pressas com um suspiro e, num passo para trás, continuou olhando para o seu antigo dono correndo tendo que pagar as contas, fechando a porta sem ao menos dizer "até breve!".