Outro dia ouvi de um amigo: Somos na vida o que somos na cama. Sério? Essa constatação dele me levou a uma outra reflexão: O que somos e o que queremos hoje? Voltando um pouco no tempo, a conversa começõu porque fui convidado por um casal de amigos a fazer um menáge a trois que na minha ignorância, confundi com trisal. E não é a mesma coisa. Menáge é sexo casual e trisal é um relacionamento. Está complicado viver hoje em dia. Ok, desfeita a confusão, eles foram direto ao ponto novamente: você está ficando com alguém? Não, eu respondi. Quer transar com a gente? Não soube o que responder e não gostei disso. Sou da geração anos 80, liberal, cabeça feita, que abriu caminhos para que hoje eu recebesse esse convite com naturalidade. Não, definitivamente o silêncio não combinava comigo. Sou libertário e sempre lutei contra rótulos. Afinal de contas, tudo pode mesmo? Ou será que meus limites começam no menáge a trois? Hoje com todas as letras que a comunidade gay tem, qual a minha? Sou um gay raiz?

          Em casa fiquei pensando no que o sexo se transformou hoje. Minha geração - Madonna, Cazuza, Ney Matogrosso, Renato Russo - lutou muito para termos liberdade, sairmos da invisibilidade e conseguimos. E agora?  Estamos visíveis e livres demais? Estamos sabendo lidar com toda essa exposição ou nos perdemos no final do caminho? Negar um menáge com um casal hetero seria virar as costas para toda a visibilidade e liberdade que conseguimos? Pensei na minha vida sexual e percebi que sou um gay raiz pleno, sem a menor culpa. Usando a minha liberdade árduamente conquistada, posso negar sim e também posso não gostar de trisal. Conquistei o direito de fazer , falar e achar o que eu quiser sendo invisível, vivendo em guetos, uma vida dupla, enfrentando a polícia quando ainda não havia nenhuma lei que pudesse me proteger e fazendo tudo que era proibido. Ah, e ainda era feliz. Um grande paradoxo não?

          Satisfeito com a minha certeza, recebi a notícia da morte de um amigo querido. Um amigo de lutas passadas. Confesso que a fragilidade da vida mexeu comigo. Tantas coisas passamos juntos, tantos perigos e ele apenas caiu e partiu sem nenhum aviso prévio. A certeza da minha mortalidade me pegou de cheio e chorei muito enquanto o seu caixão descia a sepultura. Não sei por que o convite do menáge me veio a cabeça e perdi perdão a Deus por cometer o pecado da luxúria em um enterro. Pensando bem, foi uma pena não ter aceitado o menáge por que o homem era ma-ra-vi-lho-so.

         Dias depois encontrei o casal em uma boate, o cara pegou a minha nuca, me deu um beijo daqueles de desentupir pia, como diríamos nos anos 80, e provocou: isso é para te mostrar o que você deixou passar. Devo confessar que cheguei por um mísero segundo a aceitar o convite, mas heroicamente mantive minha liberdade.

          Liberdade não é fazer o que está na moda ou que a sociedade quer, mas o que te faz bem e te deixa feliz. Nessa noite tomei vários cosmopolitans em homenagem a minha. Dancei, dancei muito e lembrei da época em que eu e meus amigos tomávamos cuba libre para comemorar um passo minúsculo que davamos para conquistar a tal visibilidade e a tão sonhada liberdade. Mas também não posso deixar de citar uma frase que meu avô sempre dizia: Cuidado! Tudo que é demais, fácil demais, não é bom. Mesmo a liberdade.

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 18/06/2024
Reeditado em 18/06/2024
Código do texto: T8088635
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