O CRIME CUJA SENTENÇA CUMPRO A CADA DIA
Foi numa madrugada enevoada que finalmente me sentei à mesa, com a caneta na mão trêmula e o coração pesado como chumbo. A lua espiava por entre as frestas das cortinas, testemunha silenciosa de uma confissão inevitável. Os grilos cantavam sua melodia, indiferentes ao turbilhão que se desenrolava em meu peito.
A tinta preta, como o sentimento que me corroía por dentro, começou a preencher o papel branco. Cada palavra era um golpe, cada frase, uma facada na minha própria alma. O crime que cometi não tem nome nos códigos legais, mas seu peso é tal que me curva os ombros e sufoca a minha voz.
Ah, se eu pudesse apagar o momento em que tudo começou, talvez o fardo fosse menor. Mas não, o destino quis que eu caminhasse por essa trilha tortuosa, onde a traição veste a máscara do amor e a dor se disfarça de desejo. Não há perdão para quem rompe os laços sagrados da confiança, para quem, em nome de uma paixão avassaladora, se deixa consumir pelo fogo da própria ambição emocional.
Naquele jardim de ilusões, onde os sorrisos eram tão puros e as confidências, tão sinceras, plantei a semente da minha própria condenação. No olhar dela, havia uma inocência que eu devia proteger, e não corromper com meus anseios secretos. Eu era o guardião, não o predador; o confidente, não o traidor.
Cada momento compartilhado, cada riso cúmplice, cada toque casual, tudo era um tijolo na construção de um muro que me isolava do mundo exterior, me prendia num cárcere de emoções conflitantes. Eu sabia que era errado, sabia que o preço a pagar seria alto, mas, como um condenado marchando para o cadafalso, continuei a caminhar.
As noites insones se tornaram comuns, a culpa, uma companheira constante. Em cada reflexo no espelho, via não apenas meu rosto, mas a sombra do crime não confessado, do pecado não redimido. E agora, ao escrever estas linhas, percebo que não busco perdão, pois sei que não o mereço. O que busco é um alívio, uma expiação tardia para um erro que não pode ser desfeito.
E assim, vou deixando a verdade emergir, gota a gota, como um veneno doce que corrói minhas entranhas. Eu, que sempre a vi como uma irmã, permiti que o sentimento se transformasse em algo mais. O que deveria ser amizade pura se transmutou num amor proibido, numa paixão silenciosa que me destruiu por dentro.
Não houve um ato, não houve uma palavra que selasse o destino, mas sim um acumular de momentos, um encadear de pensamentos que me levaram ao abismo. O crime, então, foi me apaixonar pela minha melhor amiga. Um crime que não será julgado nos tribunais dos homens, mas cuja sentença cumpro a cada dia, no silêncio da minha consciência, na amargura do meu arrependimento.
Se há uma pena máxima para quem trai a confiança mais pura, eu a aceito. Pois, embora não tenha havido intenção de ferir, feri; embora não tenha havido ato físico, pequei no íntimo. Que minha confissão, ao menos, sirva de testemunho da dor que carrego e do amor que, embora sincero, nunca deveria ter existido.