Auto defesa

Moro num sitio com minha filha Laura, autista não verbal, num chalé feito sob medida para uma moça autista.

Moramos sozinhas e muita gente perguntava e pergunta ainda se eu não tenho medo. Mas isto começou só depois que mudei para cá. Morava num bairro bem perigoso e mal visto e nunca alguém fez este tipo de pergunta.

Sim, tenho medo. Porém sou de enfrentar, de encarar a vida de frente. Quem me conhece sabe disso.

Um dia, um vizinho conversando diversos assuntos contou-me que estava tentando vender um revólver calibre 38, novo, de pouco uso, já que é caçador. Na mesma hora eu disse que queria comprar. Decidi naquele momento, sem pensar. Disse que gostaria de fazer o treino, para poder registrar no meu nome. Então, Juliano, este o nome dele, se ofereceu para me dar o contato do clube onde ele treinava.

Dias mais tarde recebi por uma rede social dele o contato do clube. Imediatamente entrei em contato e marquei um dia para realizar a inscrição e no dia marcado lá estava eu, coração saindo pela boca, sozinha e muito nervosa. Como sou tagarela e nada tímida, ninguém notou meu nervosismo. Eles marcaram o dia para o teste com a psicóloga e me conduziram ate uma sala onde aplicaram o teste escrito com perguntas referentes ao porte de armas.

Nesta mesma tarde, descobri que começaria o treino. Um rapaz simpático e muito atencioso que mais tarde descobri ser o dono do clube, falou que seria meu instrutor e desci com ele até o salão do treino de tiro.

Nunca havia tocado em uma arma. A única vez que havia visto uma arma de perto foi na noite em que dois rapazes apontaram uma para meu rosto anunciando um assalto.

Enfim, meu instrutor, Carlos, entregou o abafador e um 38 colocando ao lado várias munições. Disse com muita gentileza que eu deveria abrir, e colocar a munição. Claro, que teve que me explicar até o óbvio. Estou relatando isto, para dizer o quanto foi difícil para mim tudo aquilo. A arma era um objeto assustador. Tentei parecer confiante, mas meu coração batia assustadoramente. Meu peito doía. Só que eu estava decidida a vencer o medo, o terror e aprender a usar a arma. Eu dizia para mim mesma "tenho que ter medo do bandido, não da arma".

Coloquei o abafador, segurei a arma, ele corrigiu minha empunhadura e virei para o alvo. Pensei que antes da bala sair do revólver, meu coração sairia voando de tão descompassado. Corajosamente apontei. Sabia como fazer a mira. Foi um esforço tão grande fazer aquilo. Foi uma batalha tão grande comigo mesma! Eu só pensava que iria vencer o medo, nem que tivesse que cair desmaiada ali mesmo.

Apontei, mirei cuidadosamente e atirei. Fiz isto cinco vezes. E com um clic avisando estar sem munição virei para o instrutor que corrigiu a posição da arma. Eu estava apontando para ele!

Fomos até o alvo e foi com muito orgulho que constatei não ter errado nenhum tiro.

Carlos disse que eu precisava dar vinte tiros. Fiquei aterrada! Vinte! Meu dedo estava doendo e eu não tinha mais força para apertar o gatilho. Contei isto pra ele. E ele falou que eu precisava dar vinte tiros com ele e depois mais vinte com o observador da polícia federal. Se eu não conseguisse só poderia realizar outra prova dali a trinta dias e teria que pagar tudo de novo. E eu não conseguia apertar o gatilho.

Então ele deu uma opção. Falou que eu podia puxar o "cão". Claro que precisou dizer o que era o "cão". Eu puxei, mirei e atirei, e fiz assim mais quinze vezes. Não errei nenhum tiro.

Carlos ficou entusiasmado comigo e disse que estava até assustado por eu ter mira tão boa. Falou que muito homem não atirava como eu! Nem eu sabia deste meu dom!

Subimos para tomar um café e esperar o avaliador da PF. Lá estava um outro rapaz  que se apresentou com o nome de Renan. Conversamos muito sobre armas, segunda guerra mundial, que havia assistido a todos os documentários. O tempo voou, eu estava mais calma, mas preocupada porque teria que atirar mais vinte vezes, avaliada pra valer!

Carlos aproximou-se e perguntou se eu estava pronta. Disse que sim e perguntei se o policial já havia chegado. Ele então revelou que eu estava conversando com ele. Era o Renan. Não imaginam como fiquei aliviada! Estivera conversando de forma tão amigável.

Desci agora com o avaliador. E a sorte teria que estar comigo. Não podia errar nada. Empunhadura, alvo, apontar para o chão, colocar munição, tirar cartuchos. Enfim. Lá fui eu.

Atirei vinte vezes, não errei nenhuma e fiz mira melhor ainda! Fui um sucesso!

Levei a folha do alvo para casa!

Venci! Eu havia vencido meu medo.

Dia seguinte todo músculo do meu peito doía tal havia sido minha tensão nervosa.

Seis meses depois estava com meu registro de posse de arma e claro, com minha arma também! Sim, leva seis meses todo o procedimento.

Hoje, durmo com minha arma ao lado. Faço treino oito vezes por ano. Espero jamais ter que usa-la contra alguém, porém sei que se eu ou minha filha estiver em perigo vou apontar e atirar!