O telefonema (Ou Pessoa Horrível)

A demônia da chefa que não gostava de ninguém e maltratava os funcionários teria uma lição.

Ela gostava apenas de uma pessoa no mundo: seu filho que devia ter na época

uns sete anos.

A maldita era grosseira com todos e não tinha pena de quem adoecia. Ela dizia em alto e bom som que era fres-cu-ra para não trabalhar. O funcionário podia estar seriamente doente que nada a comovia. A peste chegou a dizer pessoalmente para um funcionário que estava fazendo quimioterapia e tinha um tipo raro de câncer que ele tinha condições de trabalhar. Ela era odiada. Um ser detestável. Uma alma sebosa encarnada.

Um ser desumano.

Todos ali precisavam do trabalho e tinham que atura lá. Esperta e com bons cursos ela queria o cargo de gerência não

somente para ganhar mais mas também para humilhar as pessoas.

A vampira sugava a energia do lugar. Ninguém no escritório podia conversar. Ela não faltava. Era a primeira a chegar e saia depois de todos. O filho tinha uma babá e ficava o tempo todo com ela quando não estava na escola.

Tudo seguia nessa toada até o dia que a víbora recebeu a ligação.

Eu sabia que o telefone que fica na mesa da gerência iria tocar às 10h, em ponto. Estava combinado com um amigo meu que ele ligaria no ramal que era exclusivo dela e diria calmamente, com voz pausada, o que eu o instruí.

Essa nojenta levaria um susto. Eu não poderia esgana lá mas faria que ela sofresse um pouquinho.

Eu senti um calafrio quando o telefone tocou às 10h , pontualmente, e ela o atendeu sempre com a

postura desprezível de quem se acha superior aos outros.

Ela algo e ficou vermelha, seu rosto parecia pegar fogo. Ela começou a chorar gritando: Não! Meu filho.

O assistente dela, um puxa-saco intragável foi acalma lá perguntando o que tinha acontecido, mas ela não conseguia responder.

Ela chorava e soluçando falou : - Ligaram do hospital pq meu filho foi atropelado.

O serviçal pediu para ela tentar se acalmar e ligar para a babá afinal ela teria avisado se tivesse acontecido algo. A perua escolar deixava o menino na porta de casa e a babá ficava com ele o tempo todo. Ela soluçava e não tinha condições de fazer nada. Ele então pegou na agenda do celular dela o número do telefone residencial, sim, o dragão tinha ainda telefone fixo em casa e ligou.

O menino atendeu.

Ele, o capacho, passou o telefone para a capeta que ainda

chorava muito e passava a mão no rosto completamente desesperada.

Ela parou de chorar quando falou com o menino que estava em casa ele íria para escola às 11h e pouco.

Ela pediu para falar com a babá e aos poucos acreditou que o menino estava bem, em casa, e se deu conta que ela havia recebido um trote. Um homem que tinha o número do ramal da mesa dela ligou avisando que o filho estava na emergência do Hospital São Paulo, pois tinha sido atropelado na frente de casa.

Ela saiu do departamento e foi para a copa da gerência. Ali tomou água e se refez para trabalhar.

O clima no escritório ficou pesado. Todo mundo se entreolhava chocado com tudo

o que tinha acontecido em minutos. A praga passou o resto do dia olhando para o nada. Não conseguia prestar atenção nas tarefas e deixou o lacaio supervisionando o serviço e esclarecendo dúvidas.

Por dentro eu estava radiante. Ver aquela peçonhenta desesperada por poucos minutos me enchia de felicidade.

Ninguém teve coragem de comentar mas eu imagino que vários funcionários riram em casa ao se lembrar do pânico que a sem coração sentiu.

No dia seguinte eu ela foi trabalhar com olheiras. Parecia não ter conseguido dormir.

Eu amei vê lá com ar de cansada, abatida. Ela nunca deixou de dormir bem depois de pisotear o emocional dos funcionários. Dessa vez ela sentiu o baque. Ela merecia uma lição. Nós éramos seres humanos,

vários de nós tínhamos filhos e todos mereciam respeito.

Ela nunca mais ficou confortável naquele departamento. Quando o telefone do ramal dela tocava ela não atendia. Uma funcionária ficou responsável por isso. Depois de um tempo ela participou um processo seletivo interno e mudou de departamento e de endereço. Foi trabalhar em um outro escritório recém inaugurado. Ela talvez tenha ido ganhar mais. Não sei dizer.

Eu notei que ela não conseguiria trabalhar ali imaginando qual dos funcionários, alguns antigos de empresa, tinham dado informações tão precisas e o número do ramal da mesa dela.

Para gerência do departamento veio uma senhora que é exigente e educadissima. Eu senti arrependimento apenas de uma coisa. Até hoje me pergunto porque não combinei com meu amigo para ele passar esse trote antes !

Ela não teria feito mal para tanta gente incluindo à mim que tinha escutado gritos e grosserias daquele ser das trevas.